Por Carlos I. S. Azambuja

(Nikita Kruschev, “As Fitas da Glasnost”, página 253,
Edições Siciliano, 1991)
Igor Gussenko, funcionário encarregado da criptografia da Inteligência
Militar soviética (GRU) na embaixada da URSS no Canadá, com sua deserção, em
setembro de 1945, foi o estopim que desencadeou a caça aos espiões atômicos nos
EUA e Grã-Bretanha.
Durante décadas a inocência do casal Rosenberg foi uma
crença generalizada. Sustentando que eles haviam sido vítimas de uma farsa
judicial, as esquerdas americanas, como as de todo o mundo, apresentaram os
Rosenberg como mártires, sacrificados no altar da intolerância ideológica.
Todavia, a verdade revelou-se outra com a liberação de
documentos secretos da ex-União Soviética e dos arquivos Venona (nome da
operação que descodificou os códigos soviéticos) guardados a sete chaves
durante décadas pelo governo norte-americano, bem como graças às memórias de
antigos chefes da Inteligência soviética, recentemente publicadas, que jogaram
uma luz definitiva sobre o caso.
O caso Rosenberg tem todos os ingredientes de um thriller:
espionagem, política e politicagem, perseguição, amor, ideologia, mentiras,
traição, maquinações e, finalmente, um final trágico para Julius e Ethel
Rosenberg, na cadeira elétrica, em 19 de junho de 1953, uma sexta-feira, no
presídio de Sing-Sing, nas cercanias de Nova York.
A inocência foi sustentada por ambos até o último instante
da vida. Para as esquerdas, Julius e Ethel foram vítimas de uma armação
judicial e da histeria anticomunista da época. Foram considerados heróis da
causa socialista e colocar em dúvida esse artigo de fé era considerado um
anátema.
Escreveu William Douglas, um dos juízes que atuou no caso
Rosenberg, em seu livro de memórias “The Court Years” (“Os Anos de Tribunal”),
que Emanuel Bloch (Manny Bloch), principal advogado de defesa – também judeu e
também membro do Partido Comunista americano – deixou-lhe a impressão de que,
conforme o consenso comunista da época entendia ser melhor para a causa, se os
Rosenberg pagassem o preço mais alto, preferindo ver seus clientes mortos.
Ainda hoje, mais de 60 anos após os fatos, a atuação de Emanuel Bloch – às
vezes tímida e sem criatividade, outras vezes vacilante, subserviente a
promotores e juízes – é motivo de conjecturas, uma das quais é a de que fosse
um instrumento dissimulado do FBI!
Outra possibilidade é que Bloch temesse uma retaliação do
FBI contra o partido, do qual era membro, caso os Rosenberg falassem o que
sabiam, poupando o PC do inconveniente de ter detalhes de suas entranhas
expostos na imprensa. Não faltam também os que sustentam a hipótese de que
Manny Bloch, ainda que inconscientemente, desejasse a condenação de seus clientes,
temendo que um eventual acordo com o Estado em troca de confissão - como fizera
o ex-sargento do Exército David Greenglass, irmão de Ethel - que trabalhou no
Projeto Manhathan e cooperava com a espionagem de Julius -, pudesse desencadear
uma avalanche de prisões.
Os promotores ouviram David Greenglass como testemunha de
acusação. Mesmo assim, ele foi condenado a 15 anos de prisão, sentença moderada
por ter, segundo o juiz, “se arrependido e trazido à Justiça aqueles que o
aliciaram” (Julius e Ethel).
A descoberta dos Rosenberg e de David Greenglass decorreu
após os britânicos terem prendido o físico Klaus Fuchs sob a acusação de passar
segredos atômicos à URSS. Pressionado, Klaus Fuchs entregou Harry Gold que
havia mantido contatos com Greenglass e Julius nos EUA. No dia seguinte à
prisão de Harry Gold, Moscou autorizou à rezidentura entregar 10 mil dólares a
Julius e David, instruindo-os a que viajassem para o México, onde receberiam
novos documentos, e daí para a Suécia. Essa viagem nunca se concretizou.
Os Rosenberg escreveram 568 cartas na prisão, as quais foram
reunidas no livro “The Rosenberg Letters”, editado por Michael Meeropol, o
filho mais velho do casal. Os textos dessas cartas são infectados de retórica
ideológica. Eles escreveram como quem discursa, como quem se dirige aos
pósteros, à eternidade.
A vasta documentação disponibilizada pela abertura dos
arquivos da ex-União Soviética, as mensagens Venona, tornadas públicas pelo
governo americano quatro décadas após a sua decodificação, e as revelações
feitas pelo espião russo Aleksandr Feklissov em sua recente autobiografia,
jogaram uma luz definitiva sobre o caso.
Julius Rosenberg, com a conivência passiva de sua esposa,
espionou para a URSS, passando à Inteligência soviética, durante anos, material
científico e tecnológico da mais alta importância. Somente para se ter uma
idéia: o desenvolvimento do fusível de proximidade, um sofisticado dispositivo
de detonação da bomba, custou aos americanos cerca de 1 bilhão de dólares.
Julius, que nas mensagens para Moscou era citado pelo codinome “Liberal”, entregou
um exemplar desse fusível a Aleksandr Feklissov, seu controlador na rezidentura
de Nova York. Quem fez a revelação foi o próprio Feklissov no livro “The Man
behind the Rosenbergs”, publicado em 2001. Na época, o fusível de proximidade
era o segundo maior segredo militar dos EUA.
Graças a ele, os soviéticos conseguiram derrubar, em 1960, o
avião-espião U2, pilotado pelo americano Gary Powers, o que elevou
dramaticamente a temperatura entre EUA e URSS.
O mais bem guardado segredo militar norte-americano – a
bomba atômica(Projeto Manhattan) - teve o mesmo destino. Através de Julius
Rosenberg os soviéticos obtiveram dados preciosos que lhes permitiram saltar
etapas, avançar em suas próprias pesquisas e detonar seu primeiro artefato
nuclear já em 1949, apenas 4 anos depois das bombas americanas em Hiroshima e
Nagasaki.
Nikita Kruschev, que assumiu o poder na URSS após a morte de
Stalin, revelou em suas memórias (“As Fitas da Glasnost”, Edições Siciliano,
1991) que os Rosenberg haviam sido espiões de seu país. Até o Papa protestou
contra a pena de morte aplicada aos Rosenberg. Todavia, documentos secretos dos
arquivos da União Soviética, divulgados em 12 de julho de 1995, comprovam que
os Rosenberg eram espiões e que Julius era o chefe de uma grande rede de
espionagem. Segundo o livro, o próprio Stalin confirmou a contribuição “muito
significativa” de Julius e Ethel ao projeto da bomba atômica soviética.
Ao lhes ser aplicada a sentença da pena de morte, em 1951,
Julius tinha 35 anos; Ethel, 37. A última pessoa a ver os Rosenberg antes da
execução foi o rabino Irving Koslowe, que lhes levou um recado do Secretário de
Justiça, Herbert Brownel Jr: se dessem um único nome de seus parceiros na
espionagem, a execução seria suspensa pelo presidente. Julius Rosenberg e Ethel
Rosenberg não deram nenhum nome.
Às 20:16 horas do dia 19 de junho de 1953 Julius e Ethel
Rosenberg foram executados. Pouco antes dos últimos raios de sol darem início
ao Sabah judaico.
No final do verão de 1996, Aleksandr Feklissov retornou a Nova
York a fim de participar de um documentário sobre os Rosenberg produzido pelo
canal Discovery. Depois dirigiu-se ao cemitério Wellwood e, em frente ao túmulo
de Julius e Ethel, em posição de sentido, disse, em voz alta: “Julius e Ethel,
aqui estou eu diante de suas sepulturas para prestar meus respeitos. Vocês nos
ajudaram fielmente, com devoção e bravura, durante a guerra sangrenta contra
nosso inimigo, a Alemanha nazista. Seremos eternamente gratos a vocês!
Perdoem-nos por não termos sabido salvar suas vidas. Que a glória e a paz
estejam com vocês para sempre”.
Harry Gold, condenado a 30 anos, obteve liberdade
condicional em 1966, seis anos após David Greenglass ter deixado a prisão. E
morreu em 1972, aos 60 anos. David Greenglass ainda está vivo. Usa pseudônimo e
esconde-se em algum lugar nas proximidades de Nova York.
Klaus Fuchs, em 1959, após cumprir a sentença de 14 anos em
uma prisão inglesa, foi viver na Alemanha Oriental. Morreu em 1988, aos 76
anos.
Publicado originalmente no site Alerta Total
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Carlos I. S. Azambuja é Historiador.
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