Ao contrário de
alguns padres e pastores, não vejo mal nenhum no fato de escolas públicas
tentarem ensinar à criançada que é moralmente errado discriminar gays,
lésbicas, travestis etc. Não estou tão certo quanto à eficácia dessa
empreitada, mas me parece melhor tentar do que não tentar.
Os que se opõem à
proposta costumam afirmar que ela tira a autonomia dos pais para educar seus
filhos da forma que preferirem e falam numa ideologia de gênero que destruiria
a identidade sexual das crianças e, de quebra, arruinaria a família. A primeira
acusação me parece infundada, e a segunda, inócua.
[...]
Quanto à
ideologia de gênero, não nego que ela exista. Certas alas do movimentos
feminista e gay sustentam que as diferenças comportamentais entre meninos e
meninas não passam de construções culturais que a sociedade machista lhes
impõe. Não sei se é esse o espírito que anima os vários planos de educação, mas
a ideia é tão despropositada que não tem muita chance de funcionar.
Há hoje um oceano
de evidências científicas a sugerir que as diferenças comportamentais entre os
sexos não são artificiais. Das preferências de meninos e meninas por certos
brinquedos e até por cores, tudo parece ter um dedo da biologia, mais
especificamente de uma combinação dos genes com a exposição a hormônios durante
a gravidez. Não é que não haja espaço para a cultura operar, mas ela não
consegue transpor alguns dos limites que a biologia coloca.
A maioria da
humanidade está fadada a ser predominantemente heterossexual. Os defensores da
família podem, portanto, ficar sossegados.
Ora, será mesmo assim? Tenho certeza de que Helio Schwartsman entende
que, por conta de nossa “natureza humana”, ou seja, de nossa biologia, estamos
fadados ao egoísmo também, que colocaremos nossos próprios interesses e o de
nossos familiares acima dos de distantes estranhos. Ou seja, o “novo homem”
abnegado e altruísta que os comunistas desejavam (e ainda desejam) criar jamais
poderia vingar. Não é de nossa natureza, pois não somos, felizmente, insetos
gregários.
No entanto, quem diria que a tentativa de fazer do
homem algo que ele jamais poderá ser foi inócua, ineficaz, e que podemos,
portanto, ficar sossegados? Somente alguém muito cego para os fatos históricos.
Dezenas de milhões de cadáveres foram o resultado direto dessa experiência
ideológica, sem falar da miséria e da escravidão que reinaram em todas as
sociedades socialistas.
Não se brinca impunemente com a natureza humana, eis a lição.
Schwartsman deposita uma confiança quase infantil nos fatores biológicos, como
se apenas o fato de que temos clara tendência a persistir na configuração
tradicional fosse suficiente para evitar tragédias nos experimentos que tentam
nos desviar de tal curso “natural”. Não é bem assim. As ideias têm
consequências. Muitas vezes catastróficas.
A ingenuidade do colunista é também impressionante no que tange às
intenções desses movimentos, como se fosse realmente algo para combater o
preconceito, e não para impor uma nova forma de preconceito: aquele contra tudo
que era visto como “normal”, como tradicional, que tem no núcleo familiar seu
principal alvo. Schwartsman parece viver em outro planeta, não no mesmo que eu,
onde essas “minorias” vêm tentando, com discurso de ódio, destruir a verdadeira
tolerância em nome da tolerância.
A “marcha dos oprimidos” e a “revolução das vítimas” são fenômenos
bastante evidentes em nosso mundo moderno, e muito me espanta a incapacidade do
colunista de enxergar isso. Ao comprar o argumento de que querem apenas
apresentar pontos de vista diferentes e combater o preconceito, o autor cai na
falácia desses grupos e cede ao seu monopólio das virtudes, como se o
conservador realmente odiasse o gay, a lésbica ou o transexual. E pior: como se
essa invasão nas escolas fosse somente para mostrar aos jovens que há o
diferente!
Nada mais falso. O que estamos vendo é uma estratégia bem definida de
ataque aos valores básicos ocidentais, não uma batalha entre “defensores das
minorias” e “conservadores reacionários preconceituosos”. O pai que comprar um
carrinho para o filho e uma boneca para a filha, ou que pintar de azul o quarto
do filho e de rosa o da filha, será logo acusado de “preconceituoso machista”,
que segue de forma alienada a construção social dos “opressores”.
É lamentável ver alguém inteligente como Helio Schwartsman entrar nesse
jogo dos grupos radicais de esquerda e fazer o papel de “inocente útil”, ainda
por cima relaxando porque a biologia fará o papel de obstáculo aos anseios dos
extremistas. Abre o olho, meu caro!