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Refinaria de Abreu e Lima, em Pernambuco:
Petrobras
'quarteiriza' obras (Léo Caldas/VEJA)
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Impedida de manter contratos com as construtoras da Lava
Jato, Petrobras confia obras da refinaria a construtoras locais, que
subcontratam terceiros para conduzir o gigante que custou, até agora, 18
bilhões de dólares aos cofres da empresa
A refinaria de Abreu e Lima foi um dos principais dutos de
desvio de dinheiro da Petrobras ao longo dos últimos anos. Segundo o balanço
que a companhia apresentou nesta semana, a unidade em Pernambuco e o Complexo
Petroquímico do Rio de Janeiro respondem, juntos, por mais da metade da baixa
contábil de 52 bilhões de reais em 2014: um baque de 30 bilhões de reais. E a
depreciação não deve parar por aí. Isso porque as obras da refinaria ainda não
acabaram. Impedida de contratar as empreiteiras envolvidas na Lava Jato, a
estatal teve de confiar a continuidade dos projetos a pequenas construtoras
locais, e algumas delas, por sua vez, estão repassando o serviço a terceiros.
Enquanto, em Brasília, o governo sofre derrotas por se opor ao projeto de lei
que amplia a terceirização, a Petrobras coloca em prática muito mais que isso:
há uma 'quarteirização' em curso na refinaria, que deixa funcionários sem
qualquer vínculo ou garantia trabalhista - e tudo sob as vistas grossas da
estatal.
Como consequência da Operação Lava Jato, que investiga os
desmandos e desvios de dinheiro na estatal, 23 empreiteiras que há décadas
prestam serviços no setor de óleo e gás foram impedidas de continuar operando
nas obras da Petrobras. Entre elas estão as principais empresas que atuam em
Abreu e Lima: Engevix, Camargo Corrêa, Odebrecht e Queiroz Galvão. Como 60% do
projeto ainda não está concluído, a petroleira se viu obrigada a recorrer a
empresas locais para dar sequência aos trabalhos - abrindo mão de licitação ou
qualquer outro tipo de avaliação criteriosa. O problema é que as novas
subcontratadas também relegam o serviço a terceiros.
Terceirizar é uma prática perfeitamente legítima no meio
industrial. O problema é que, em alguns casos, os terceirizados ficam à margem
da legislação. Para proteger o trabalhador e dar dinamismo à atividade
econômica, é imperativo que se avance na regulação desse tipo de mão de obra.
Daí a importância da votação do projeto de lei que regula a terceirização e
que, hoje, é alvo de impasse no Congresso. A quarteirização tampouco é crime.
Mas é preciso haver transparência e segurança jurídica nas relações entre a
empresa que contrata os serviços e a que, de fato, os executa, para que os
trabalhadores não fiquem desprotegidos. No caso da Petrobras, as informações
que chegam de Abreu e Lima mostram que a quarteirização não é uma prerrogativa
dos contratos firmados pela estatal - desta forma, a petroleira não dá qualquer
indício de que se responsabilizará por eventuais problemas com os
quarteirizados.
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Crachá de operário da Oliveira Construções, que trabalha
na
refinaria Abreu e Lima (Sintepav-PE/Divulgação)
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O Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias de Construção
de Estradas, Pavimentação e Obras de Terraplanagem de Pernambuco (Sintepav-PE)
foi o primeiro a denunciar a situação em Abreu e Lima. Na quarta-feira,
representantes da entidade estiveram na refinaria e constataram a presença de
dezenas de funcionários trabalhando sem qualquer vínculo com as construtoras
determinadas pela Petrobras para conduzir as obras. "A Petrobras está
quarteirizando mão de obra. Eles burlam as regras dando um crachá provisório de
quinze dias aos funcionários, eximindo-se de qualquer responsabilidade",
diz Leodelson Bastos, dirigente do sindicato.
Na fiscalização, foi constatado que a estatal confiou a
construção de Abreu e Lima a firmas que 'alugam' empregados de outras empresas
- e, como não são vinculados, não recebem direitos como o adicional de
periculosidade, exigido no âmbito da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)
devido ao alto risco de acidentes. "O único critério levado em conta pela
Petrobras na escolha das empresas é que elas não sejam citadas na Lava
Jato", diz Regério Rocha, que também representa o Sintepav.
Um dos casos citados pelo sindicato é o da Oliveira
Construções, que terceirizou o trabalho na Petrobras para outra empresa chamada
AD Construções. Procuradas, as empresas não responderam o pedido de entrevista.
A AD se limitou a dizer que não tem contrato com a Petrobras. A Jole
Construções, que é uma das principais novas contratadas, disse que não
forneceria informações sobre sua operação em Abreu e Lima.
Em nota, a Petrobras afirmou que, diante da rescisão de
contratos com firmas envolvidas na obra da refinaria, "houve a necessidade
de contratação de empresas para atividades específicas, a fim de garantir a
execução de trabalhos essenciais". Segundo a estatal, há permissão para
subcontratação "em atividades específicas" e "apenas em casos
previstos e estabelecidos em contrato".
Judicialização - Os problemas trabalhistas em Abreu e Lima
se intensificaram mesmo antes da proibição dos contratos com as empreiteiras da
Lava Jato. Temendo as investigações, a então diretoria da estatal, presidida
por Graça Foster, congelou os pagamentos a fornecedores, dando origem não só à
quebradeira de empresas, como também uma espiral de ações judiciais. Apenas em
Ipojuca, município onde se localiza a refinaria, são 512 processos
protocolados. A Alumini (ex-Alusa) é uma das empresas envolvidas que conseguiu
na Justiça que a Petrobras assumisse todos os compromissos salariais de seus
funcionários. Alguns chegaram a ficar mais de 4 meses sem receber. Segundo a
procuradora do Ministério Público do Trabalho de Pernambuco, Débora Tito, os
pagamentos já estão sendo feitos pela estatal. "A situação está mais
controlada do que no ano passado", afirma.
Contudo, segundo o ex-funcionário da Alumini na refinaria,
Alexandre Pereira da Silva, de 43 anos, em sua conta bancária não há sinal de
pagamentos desde outubro de 2014. "A Alumini não fala nada, até trocou de
nome. Eles nos disseram que não têm previsão nenhuma de pagamento. Eles me
devem 42.000 reais em salários atrasados e multas rescisórias. Há 5.000
funcionários nessa situação", afirmou. Com o nome sujo desde a demissão,
ele disse estar vivendo de "bicos" para sobreviver. "Estou
fazendo uma grade aqui, um portão ali, pintando e tentando achar outros lugares
onde haja obras. Enquanto isso, eu espero que as autoridades competentes
reajam", disse. A Alumini entrou com pedido de recuperação judicial em
janeiro deste ano, cobrando da Petrobras uma dívida de mais de 1,5 bilhão de
reais referente a Abreu e Lima.
A Camargo Corrêa, umas das principais operadoras da
refinaria, se prepara para abandonar a obra, já que seu contrato vence este mês
e, devido à proibição, não poderá renová-lo. Guilherme Noleto, que trabalha
como assistente técnico da obra, estima que 2 mil funcionários sejam demitidos
com o fim do contrato e, segundo ele, todos temem não receber seus direitos
trabalhistas. "Chegamos todos os dias na refinaria com medo. O que temos a
ver com a Operação Lava Jato?", diz.
Marcada por uma série de atrasos, Abreu e Lima custou sete
vezes mais do que o previsto em seu projeto original. Os 2,4 bilhões de dólares
orçados inicialmente se transformaram em 18,5 bilhões de dólares calculados em
2014, levando-a ao primeiro lugar entre as obras em curso mais caras do país. O
Tribunal de Contas da União estima que a construção da refinaria tenha sido
superfaturada em, pelo menos, 360 milhões de reais. A área da companhia
responsável por sua execução era justamente a de Abastecimento, então comandada
por Paulo Roberto Costa. Nesta semana, o ex-diretor foi condenado a sete anos
de prisão por desvios de dinheiro público na refinaria.
A Petrobras informou, em seu balanço, que os atrasos de
cronograma foram os principais fatores de avaliação na depreciação do valor de
Abreu e Lima. Isso porque a refinaria deveria ser entregue em 2011. O novo
prazo é agosto deste ano. Porém, diante do circuito de amadorismo que permeia a
obra, há uma grande desconfiança de que o projeto não seja concluído dentro do
previsto. Isso significa que, se a Petrobras mantiver a política de depreciação
de ativos em razão de atrasos, acionistas podem esperar que Abreu e Lima perca
ainda mais valor - e custe mais recursos ao combalido caixa da estatal.