Segundo a Esquerda, de modo geral, a necessidade do
princípio do centralismo democrático decorre do fato de que as pessoas ainda
não pensam uniformemente.
Desde a sua fundação, em 3 de setembro de 1938, em um
Congresso realizado em Paris, França, sempre foram inúmeros os grupos,
tendências, frações, cisões e fusões no âmbito da Quarta Internacional, em
todos os países bem como em nível de coordenação internacional, todos
reivindicando a primazia da construção do Partido Mundial da Revolução, tarefa
central da Internacional, desde que foi criada.
No Brasil atuam 21 grupos trotskistas, pelo menos:
- Ação Popular Socialista
- Corrente Socialismo Internacional
- Corrente Socialismo Revolucionário
- Corrente Socialista dos Trabalhadores
- Democracia Socialista
- Fração Trotskista
- Grupo Práxis
- Grupo Revolução Permanente
- Liga Bolchevique Internacionalista
- Liga Estratégia Revolucionária
- Liga Estratégica Revolucionária
- Liga Quarta-Internacionalista do Brasil
- Movimento de Esquerda Socialista
- O Trabalho na Luta pelo Socialismo
- Partido da Causa Operária
- Partido Operário Revolucionário Trotskista
- Partido Operário Revolucionário Trotskista-Posadista
- Partido Socialismo e Liberdade
- Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado
- Socialismo Revolucionário
- Tendência pelo Partido Operário Revolucionário
E, em nível internacional, cerca de 20 centros
coordenadores, todos reivindicando interpretar a pureza dos ensinamentos de
Leon Trotsky.
Embora exista esse amplo espectro reivindicando a Quarta
Internacional, ela nunca chegou a existir como organização centralizada, pois o
movimento é muito amplo e disperso, bem como são divergentes as formas de
interpretar os escritos de Trotsky.
Após a II Guerra Mundial desenvolveu-se o processo
revolucionário mais poderoso desde a Revolução Bolchevique. Esse processo,
todavia, resultou no fortalecimento do Stalinismo, que os trotskistas sempre
consideraram “um aparato contra-revolucionário”, e da Social-Democracia, que
passou a governar diversos países na Europa. Ambos – Stalinismo e
Social-Democracia – após a II Guerra, passaram a dirigir o movimento de massas
em nível mundial.
Em virtude disso, o trotskismo desapareceu por muitos anos
do cenário europeu.
Posteriormente, a partir dos anos 1960, a Revolução Cubana
trouxe ao trotskismo outro tipo de controvérsias: uma divisão entre os que
reconheciam que em Cuba havia ocorrido uma grande revolução e que o novo Estado
era uma conquista que deveria ser defendida dos ataques do imperialismo, e os
que não a encaravam como um fato revolucionário. Essas controvérsias persistem
até os dias atuais.
Como conseqüência, vários grupos trotskistas, em nível
internacional, se reunificaram em 1963 em torno do apoio à Revolução Cubana,
dando origem à construção do Secretariado Unificado da Quarta Internacional.
Essa reorganização, no entanto, foi efêmera, e novas diferenças voltaram a
surgir em torno desse mesmo tema e, logo depois, a partir de 1979, da Revolução
Sandinista na Nicarágua. Essas diferenças deram origem a dois setores: um que
opinava que a direção dessas revoluções era pequeno-burguesa e burocrática e
que, por esse caráter de classe, iriam levá-la à derrota, e outro que sustentava
que o Castrismo e o Sandinismo eram grandes direções revolucionárias e que, por
conseguinte, não se poderia construir partidos apartados delas.
Entre esses dois setores logo surgiu uma outra diferença: os
que defendiam os métodos de luta através da classe operária e os que optavam
pelo guerrilheirismo foquista.
A partir de meados da década de 90, todavia, um novo grande
fato da luta de classes provocou novos realinhamentos: o desmantelamento do
socialismo real, que os trotskistas sempre denominaram de “aparato stalinista”.
Essa queda provocou uma primeira diferença entre os que opinam ter sido um fato
revolucionário fundamental, apesar de suas contradições, e os que opinam ter
sido uma grande derrota, que afastará, por longo tempo, a possibilidade de uma
revolução.
Os acontecimentos do Leste-Europeu na década de 1990, onde o
Stalinismo foi erradicado, estão criando ainda outras diferenças em outros
grupos contrários ao revisionismo. São grupos que opinam em favor da construção
de partidos e de uma Internacional Revolucionária, porém consideram que isso
deverá ser feito tendo por base princípios totalmente diversos dos da Terceira
e Quarta Internacionais.
Opinam que os acontecimentos no Leste-Europeu questionaram
tudo: o centralismo democrático, a ditadura do proletariado, a utilização do
terror vermelho, as estatizações e os grupos que se intitulavam dirigentes da
classe operária. Opinam, em verdade, que devem ser construídos partidos
revolucionários, porém que a tarefa central desses partidos deve ser a
propaganda do programa e a luta pela construção de uma nova sociedade.
As diferenças, todavia, não terminam aí. Entre os setores
favoráveis à construção de partidos revolucionários leninistas de combate,
regidos pelo centralismo democrático e que sejam seções de uma Internacional,
que defendem a classe operária como sujeito social da revolução e a
participação na luta de classes através de um diálogo permanente com essa mesma
classe operária, existem também importantes divergências que envolvem
diferenças programáticas e de princípio e que provocam políticas contrapostas
nos centros coordenadores da luta de classes em nível mundial.
Existem, por exemplo, diferentes interpretações da política
leninista em relação às nacionalidades oprimidas. Isso acarretou que, ante um fato
central, como a guerra na ex-Iugoslávia, um setor trotskista apoiasse os
Bósnios e os Croatas e outro os Sérvios, e ainda outro defendesse a
neutralidade. Outros ainda, no Oriente Médio, defendem a palavra-de-ordem de um
Estado Palestino único, o que implica na destruição do Estado de Israel,
enquanto outros defendem o direito dos palestinos a seu Estado, ao lado de um
Estado de Israel socialista.
Também existem diferenças na forma de como interpretar o
nacionalismo de uma Nação oprimida e o nacionalismo da Nação opressora. Isso
provoca distinções programáticas quando ocorrem guerras envolvendo esses tipos
de países. Isso ocorreu, por exemplo, na Guerra das Malvinas, onde existiram
setores do marxismo revolucionário (trotskismo) que centralizaram sua política
em chamamentos à derrota das tropas inglesas, enquanto outros clamavam em favor
da paz, outros ainda denunciaram a guerra, e ainda outros defendiam o direito
de autodeterminação dos Kelpers, habitantes das Malvinas.
Existem também diferenças em relação a que tipo de
Internacional construir. Uns defendem que se deva reconstruir a Quarta
Internacional, por considerarem que seus aspectos programáticos centrais,
expressos no Programa de Transição e na Teoria da Revolução Permanente mantêm
sua vigência, e outros que, partindo dos desvios programáticos que ocorreram em
importantes dirigentes e correntes que reivindicavam, e ainda reivindicam a
Quarta Internacional, defendem que deve ser construída uma Internacional
diferente.
Todas essas divergências explicam o grau de dispersão dentro
da Quarta Internacional em todo mundo, demonstrando que a luta para construir o
Partido Revolucionário Mundial e assumir o lugar do Stalinismo desmantelado não
está sendo uma tarefa simples.
Porém, além dessa série infindável de divergências
políticas, existe ainda uma outra, de caráter metodológico, talvez mais difícil
de superar. É a que considera que o processo de degeneração stalinista não foi
apenas político mas também metodológico e moral, e conseguiu infestar, com seus
métodos, importantes setores do movimento operário, inclusive o marxismo
revolucionário.
Em face de tudo isso, hoje existem setores que se
reivindicam marxistas revolucionários e que apelam para os métodos do vale tudo
para dirimir suas diferenças, valendo-se de insinuações, mentiras, difamações e
até ataques físicos – como já ocorreu com diversos grupos atuantes no Brasil -,
ou que utilizam suas relações com outras correntes revolucionárias para
infiltrar (entrismo, segundo o dialeto trotskista) seus membros, no
sentido de desenvolver um trabalho
fracional, a fim de ganhar militantes para suas fileiras.
Esses métodos impedem a aproximação fraternal entre os
diversos grupos porque, ao destruir a confiança recíproca, cria barreiras mais
difíceis de transpor do que as simples diferenças políticas. Esses são
considerados métodos stalinistas que prostituem a atividade revolucionária.
Malgrado toda essa enorme série de diferenças, deve ser
levado em conta que, segundo a doutrina, todo e qualquer partido, para ser
considerado revolucionário, deve ser um organismo vivo que reflita os distintos
aspectos da luta de classes, bem como as diferentes interpretações sobre ela.
Em seu seio sempre existirão diferenças e polêmicas que, em última instância,
serão – ou deveriam ser – dirimidas pela realidade e pelo chamado centralismo
democrático. Essas diferenças, no entanto, vivificam o partido e favorecem seu
fortalecimento.
Segundo a Esquerda, de modo geral, a necessidade do
princípio do centralismo democrático decorre do fato de que as pessoas ainda
não pensam uniformemente...
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Carlos I.S. Azambuja é Historiador.