Por Saulo de Tarso Manriquez
As democracias ocidentais têm demonstrado um justo apreço
por um dos pilares sobre os quais estão assentadas. No entanto, é no mínimo
preocupante pensar no alarido feito por conta dos ataques à liberdade de
expressão dirigidos ao Charlie Hebdo (que implicaram a morte de pessoas que a
exerciam) e, simultaneamente, constatar um silêncio sepulcral das mesmas
democracias sobre atrocidades maiores, mais sistemáticas e mais cruéis
verificadas ao redor do mundo. Não se está aqui negando uma questão de ordem
prática ínsita ao caso: o fato dos ataques terem ocorrido na França, uma
democracia ocidental, um país cujas ideias e convulsões revolucionárias
inspiraram processos de independência e declarações de direitos em outras
partes do oeste do globo. Tal fato explica, de certa maneira, a ênfase dada à
tragédia e a um dos valores atingidos: a liberdade de expressão. Na terra da
liberté, egalité, fraternité, a liberdade de expressão é um desdobramento óbvio
do pilar “liberdade”, comum aos povos ocidentais, sejam eles mais ou menos
secularistas, sejam eles mais ou menos alinhados à tradição romana-católica, à
tradição britânica, ou ao pensamento iluminista continental (francês). Porém, a
ordem prática que por um lado explica as marchas e as selfies com cartazes “Je
suis Charlie”, por outro não justifica a omissão e a indiferença para com
outras violações de direitos verificadas em terras não ocidentais.
A marcha de Paris, as pessoas que viraram Charlie, as
selfies bom-mocistas e os editoriais amedrontados das emissoras de TV e dos
jornalões impressos, antes de significarem resistência cultural e uma retomada
do sentido civilizacional do hemisfério, são um prenúncio de queda e um convite
ao domínio total das tiranias orientais fundadas na “guerra santa” contra o
Ocidente decaído.
PS: Não estou aqui dizendo que não se deve intervir
militarmente contra o ISIS e o Boko Haram. Estou analisando a coisa sob uma
perspectiva comunicacional, propagandística, discursiva.
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Saulo de Tarso Manriquez é mestre em direito pela PUC-PR.