Por Percival Puggina
Os que fizeram ninho nos poderes de Estado e converteram
suas convicções em receitas para ascensão funcional estão em estado de choque.
Fazem companhia aos parceiros da mídia e do mundo acadêmico que se acostumaram
a falar sozinhos para auditórios subjugados por uma hegemonia que tritura
neurônios como uma usina de brita quebra rochas. Em pedacinhos. Nas
últimas décadas, uns e outros jamais se depararam com algo semelhante. Povo na
rua bradando contra seus amados ícones. Panelaços contra sua idolatrada
"presidenta". Lula vaiado e se escondendo entre guarda-costas e companheiros.
Rechaço popular a bandeiras vermelhas. Multidões pedindo impeachment.
Como agir diante de algo assim? Proclamar, com insistência,
a elevada estatura moral do partido? Ajustar o elmo, esporear o cavalo e
brandir espadas em defesa das virtudes do governo Dilma, como zelavam pela
pureza feminina os cavaleiros medievais? Investir recursos na modorrenta
militância de sanduba, refri e R$ 35? Apelar para a velha estratégia de
desqualificar indivíduos e multidões, raças, classes sociais, pigmentação da íris?
Incrível como o velho Karl Marx fez vistas grossas à importância da cor dos
olhos na luta de classes, não é mesmo?
A desqualificação encontrou na acusação de golpismo o mais
entoado de seus refrões. "Impeachment é golpe!". E por aí vão.
Unem-se em coro colunistas, comentaristas, parlamentares e dirigentes petistas.
Quem pede o impeachment da sua amada "presidenta" é golpista. E
pronto. O interessante é que nenhum deles tem coragem de, em público, proclamar
a elevada dignidade moral do governo, sua honra e probidade. Nenhum jornalista
ou líder político escreve, fala ou mostra a cara na tevê para sustentar o
insustentável. Todos sabem que a sociedade tem motivos de sobra para estar
enojada do governo e de suas práticas. É muito mais fácil, então, evadir-se da
encrenca pelo lado oposto, desqualificando os 63% da população brasileira que
clamam pela solução racional e constitucional: o impeachment da presidente.
Não pode ser "golpe" o apelo a um instrumento
constitucional, com lei própria, que só terá o efeito desejado se seguido o
rito determinado pela Constituição e pela lei federal que trata especificamente
do assunto. Golpista, portanto, é quem tenta impedir isso.
______________
Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de
Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org,
colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de
Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões,
integrante do grupo Pensar+.