O debate do dia é se Lula agiu como um simples lobista da
Odebrecht ou se vendia a empresa de olho no “interesse nacional”, como alega.
Novos emails vazados mostram que a palavra “lobby” fazia parte das trocas de
mensagens entre os envolvidos, mas a desculpa do ex-presidente é a de que tudo
não passou de um esforço para ajudar o país a exportar mais. Pausa para as
lágrimas que escorreram por meus olhos, e tão comovido que fiquei.
Como diz o editorial do GLOBO de hoje, só mesmo mais
investigações podem esclarecer o “lobby” de Lula pela Odebrecht. O Brahma, como
era chamado por alguns do esquema do petrolão, mostrou-se um patriota e tanto,
ou seria apenas mais um lobista de olho nas recompensas monetárias da
empreiteira?
Se ainda há quem acredite na primeira opção, parabéns! É um
caso impressionante de ingenuidade. Sugiro que monte em seu unicórnio e, com os
amigos duendes, vá até o Polo Norte pegar o presente de Natal diretamente com o
Papai Noel.
Claro que Lula não seria o único a confundir público e
privado, a misturar interesses pessoais com o “nacional”, ainda que, na
magnitude que foi feita a coisa, não haja precedentes. Mas o ponto-chave aqui é
reforçar a ideia de que o prêmio é elevado demais, a tentação é enorme, e o
mecanismo de incentivos precisa mudar. Como diz o jornal:
Admita-se que no presidencialismo brasileiro, em que o poder
da caneta do chefe do Executivo é imenso, proporcional à capacidade que tem o
Estado de favorecer empresas bem relacionadas em Brasília, Lula não tenha sido
o primeiro a passar pelo Planalto em meio a nuvens de suspeição.
A diferença é que, com o tempo, os rumores se transformaram
em indícios, fortalecidos com a apreensão pela Polícia Federal, em junho, na
sede da Odebrecht, em São Paulo, de e-mails que indicam intromissão de uma
empresa privada em atos de Estado. E, por parte de Lula e também Dilma, uma
indesejada permissividade no relacionamento com executivos da empreiteira. A
começar pelo próprio Marcelo Odebrecht, preso em Curitiba, na Operação
Lava-Jato.
[…]
Esta clara ingerência da Odebrecht no Planalto se soma a
tudo o que foi descoberto até agora pela Lava-Jato e serve de forte
justificativa para que haja séria investigação sobre este “lobby”. Não
pode pairar a suspeita de que o Brasil virou uma republiqueta de banana em que
um telefonema libera bilhões do BNDES, em nome dos “interesses nacionais”.
Segue um artigo que escrevi para a revista VOTO no passado
sobre o assunto, mostrando que o mecanismo de incentivos é inadequado quando o
governo concentra poder e recursos demais, e que o risco aumenta
exponencialmente quando temos sindicalistas oportunistas ocupando o cargo no
governo:
Os lobistas
“Poucas coisas são mais perigosas do que deixar algumas
pessoas tomarem decisões pelas quais outras pessoas pagam os custos.” (Thomas
Sowell)
O economista Milton Friedman destacou quatro formas básicas
de se gastar dinheiro. A primeira é quando gastamos o próprio dinheiro com
coisas particulares. Nesse caso, há preocupação total tanto com o custo como
com o conteúdo do gasto. São as compras do dia a dia no livre mercado. A
segunda forma é quando gastamos dinheiro próprio com terceiros, como quando
compramos um presente. Nesse caso, há uma preocupação muito maior com o custo
do que com o conteúdo. A terceira opção é quando gastam dinheiro dos outros com
terceiros, que comporta boa parte dos gastos governamentais. Não há preocupação
nem com os custos nem com o conteúdo, pois a conta é paga pela “viúva”.
Uma última forma é quando se gasta dinheiro dos outros em
benefício próprio. Temos aí a certeza de uma grande festa, com foco total no
conteúdo, e preocupação nula com os custos. São todos os desperdícios
megalomaníacos que vemos em eventos públicos, ou então aqueles gastos
bilionários do governo que beneficiam alguns poucos “amigos do rei”. É
justamente para viabilizar esta quarta forma de gastar, ou melhor, de torrar
dinheiro, que os lobistas entram em cena.
A expressão “lobista” parece ter sido cunhada pelo general
Ulysses S. Grant, durante o governo de Abraham Lincoln. A expansão do governo
central durante sua gestão criou oportunidades de lucro para as pessoas ligadas
ao Partido Republicano. Entre 1860 e 1874, os impostos das 13 maiores cidades
do Norte subiram cinco vezes mais que a população. Os funcionários importantes
do governo passaram a ser assediados por grupos de interesse, de olho na
quantia crescente de gastos públicos. O nepotismo também teria aumentado, e o
próprio general Grant empregou diversos parentes no governo. O general teria
criado então o termo “lobista” para se referir aos homens que passavam dias nos
lobbies de hotéis em Washington aguardando uma oportunidade para subornar
senadores e deputados.
As empresas terão total interesse em desviar recursos
produtivos para a função do lobista, pois a troca de “favores” políticos rende
mais do que qualquer investimento para aumentar a competitividade e a
produtividade. Conseguir uma tarifa nova protecionista pode significar o status
de monopolista para uma empresa, livre das forças da concorrência. Fechar um
mega contrato de fornecimento para algum órgão do governo ou alguma estatal
pode representar um salto enorme no faturamento. Isso pode valer mais do que
qualquer inovação na sua técnica de produção, especialmente num ambiente em que
o governo concentra poder demais.
Todos querem uma fatia do bolo. A competição acirrada deixa
de ser pelo melhor atendimento ao cliente final, e passa a ser pelas verbas do
governo. O critério não é mais econômico, e sim político. O dinheiro é da
“viúva”, portanto, não há muita preocupação com os custos. Os lobistas disputam
a preferência dos políticos em busca de medidas protecionistas para suas
indústrias, sacrificando os consumidores. A ineficiência nos gastos é inevitável,
pela própria natureza dos gastos públicos. Ninguém cuida de um carro alugado
como cuida do próprio carro. E a corrupção é outro fator inevitável. O suborno
fica tentador demais, pois uma canetada de um político sela o destino de todo
um setor, definindo as empresas vencedoras. Os clientes, claro, ficam sem
segundo plano.
Para reverter essa situação perigosa, o melhor caminho é
atacar o mal pela raiz, ou seja, retirar do governo esse poder astronômico.
Enquanto o governo desfrutar dessa montanha de recursos e desse poder
infindável, os lobistas vão pulular as capitais políticas. A simbiose entre
governo e empresários sai sempre cara demais para o povo. E não adianta sonhar
com o “messias salvador”, o santo que irá chegar ao poder e consertar isso tudo
de cima para baixo, impondo honestidade nos gastos públicos. Não funciona
assim. Não podemos esquecer que são seres humanos, demasiado humanos, no poder.
E como já alertava Lord Acton, o poder corrompe, e o poder absoluto corrompe
absolutamente.
Os lobistas estão sempre à espreita, prontos para corromper
na primeira oportunidade que surgir. E o que não falta são corruptos em
Brasília! Ainda mais quando quase a metade da produção nacional passa pelas
mãos do governo. É preciso reduzir drasticamente a quantidade de recursos que
transita pela via política; é preciso privatizar as estatais urgentemente, para
evitar novos escândalos como o dos Correios; é preciso compreender que o
sistema atual vai sempre atrair os piores tipos para o poder, aqueles dispostos
a vender caro sua poderosa canetada oficial que decide o destino de bilhões de
reais.É tentação demais até para pessoas honestas; imagina para políticos de
origem sindicalista, acostumados desde sempre a viver como parasitas de
recursos alheios!