Por Luiz Eduardo Rocha Paiva
Em fevereiro assumem os novos comandantes da Marinha, do
Exército e da Aeronáutica, sobre quem recaem, entre outros, dois relevantes
desafios. No âmbito da defesa da Pátria, o desafio é implantar e garantir a
continuidade do projeto de dotar o Brasil de Forças Armadas (FA) com capacidade
de dissuasão extrarregional. Isto é, FA não necessariamente no nível das que
dispõem as potências globais, mas em condições de lhes causar danos
irreparáveis se ameaçarem interesses vitais do País.
Esse desafio só será vencido se for desenvolvido um Sistema
Conjunto de Defesa Antiacesso, projeto de longo prazo que depende de
investimentos elevados e permanentes no aprestamento das FA, indústria de
defesa e pesquisa e desenvolvimento científico-tecnológico com alto grau de
autonomia. Tal sistema é composto por subsistemas de mísseis balísticos e de
cruzeiro de longo alcance (inclusive antinavio), de defesa antiaérea, de guerra
cibernética, de vigilância e contravigilância e de forças conjuntas de
pronto-emprego móveis e letais. Seu propósito é neutralizar uma força agressora
ainda longe do litoral ou da fronteira oeste. O risco de pesadas baixas antes
do choque entre forças terrestres enfraquecerá o apoio internacional e o
interno no país agressor, configurando a dissuasão extrarregional sem armas de
destruição em massa. O atual Plano de Articulação e Equipamento de Defesa não
estabelece a integração dos projetos estratégicos de cada Força num sistema
único como o mencionado.
O óbice mais relevante pode ser explicado por meio de
analogia com a lei da oferta e da procura. Se no contexto internacional
(mercado) um país não tem ameaças concretas, ou seja, tem uma ampla oferta de
paz e resolve contenciosos sem conflitos armados, a procura por meios de defesa
terá baixa prioridade, sendo mínimos os investimentos correspondentes. Assim,
as FA precisam convencer a sociedade da existência de ameaças potenciais - e
elas existem -, a fim de mostrar que a oferta de paz conferida hoje pelo
mercado não será perene e sua escassez, num momento futuro, não será sanada
oportunamente pela procura, pois defesa não se improvisa. Sem mentalidade de
defesa, as FA continuarão sendo desviadas para missões secundárias, perdendo a
identidade, o espírito guerreiro e o aprestamento para a defesa da Pátria.
O segundo desafio decorre do contexto político nacional e de
seus reflexos no futuro das FA. O partido do governo (PT) e seus aliados
radicais pretendem implantar um regime socialista, atuando sob a orientação do
Foro de São Paulo e empregando o Programa Nacional de Direitos Humanos,
estratégia gramscista para se perpetuarem no poder. O programa propõe, sob o
véu da defesa dos direitos humanos, a criação de espaços de participação e
controle social nos Poderes Judiciário e Legislativo, no Ministério Público e
nas Defensorias, bem como o cerceamento da liberdade de imprensa. O Decreto n.º
8.243/2014, ainda não derrubado no Senado, abriu tais espaços ao criar
conselhos populares a serem aparelhados pelo PT para impor sua hegemonia à
sociedade, objetivo declarado na resolução política emitida pela comissão executiva
nacional do partido no final de 2014. O Executivo promove o enfraquecimento do
Legislativo e do Judiciário, desequilibrando os Poderes da União, alicerces da
democracia.
As FA são um óbice ao projeto socialista, daí a permanente
campanha para desgastá-las, a ser intensificada a partir do relatório faccioso
da Comissão da Verdade, pois sua imobilização é fator essencial de êxito do
projeto. A liderança petista e seus aliados tentam cindir a ativa e a reserva
militar; deturpar a história do período 1964-1985, satanizando as instituições
militares; romper o compromisso das FA com sua história, suas tradições e seus
chefes do passado, para convencer a Nação e a juventude militar do surgimento
de novas FA e novos quadros profissionais, agora democráticos, e não
ditatoriais e autoritários como no passado; e mudar o ensino castrense,
inserindo a ideologia socialista nas escolas militares.
Mais que um desafio, trata-se de uma ameaça. No entanto, os
novos comandantes e todos os oficiais-generais são da geração dos anos 1970 e
início dos anos 1980, todos os oficiais e praças foram formados com base em
valores éticos, morais e cívicos tradicionais. Comungam ideais pelos quais se
dispõem a correr riscos, não se deixam enganar pelos relatórios e revisionismos
facciosos da história, nem pela propaganda adversa, e não vão contaminar-se por
antivalores materialistas, apátridas e antidemocráticos.
Para reverter a maliciosa campanha de desgaste as FA
precisam adotar ações em reforço da autoridade moral da liderança militar, da
autoestima e da coesão das Forças, evitando agravar divergências com poderosos
segmentos adversos num primeiro momento. Daí, então, investir no contraditório,
de modo a que sua história não seja desvirtuada por seus detratores. Até o
momento não se reverteu a ameaça agindo com franqueza, mas dentro da cadeia de
comando. O mais provável é que, em alguns meses, os comandantes vivam o dilema
entre defender publicamente as instituições e, por extensão, a democracia ou
permanecer inertes. É um dilema sem razão de ser, pois o silêncio causaria um
dano irreparável à Nação e às instituições, estas, sim, e nesta ordem, credoras
da lealdade do soldado. Será necessário manifestar-se de público, pedindo ou
não exoneração antecipadamente, conforme a consciência indicar como condição
para preservar a hierarquia e a disciplina. Aos membros dos altos comandos das
FA, dando conhecimento antecipado à liderança política, cabe deixar clara sua
lealdade às crenças, aos valores e ideais comuns e às instituições defendidas
por seus comandantes. Seria criado um impasse indesejável? Sim, mas comandantes
e cargos são passageiros e FA são permanentes.
"É uma bênção que em todas as épocas alguém tenha tido
individualidade bastante e coragem suficiente para continuar fiel às próprias
convicções" (Robert G. Ingersoll).
Publicado originalmente no site A Verdade Sufocada
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Luiz Eduardo Rocha Paiva é General da Reserva