Por Leonardo Faccioni

Zero Hora, o principal jornal do sul do país, indagou em
reportagem dominical o porquê de a deputada gaúcha Maria do Rosário Nunes (PT),
notória flor de candura, “atrair tantas polêmicas” nas redes sociais. Diversas
entrevistas rechearam a matéria, todas à guisa de canonizar seu objeto, com
tintas dignas de mocinha de romance romântico.
Tais genuflexões à esquerda, vez ou outra mais chamativas —
como no caso — e, de outro modo, quotidianas, sempre cativaram minha atenção.
Fazem-no, primeiramente, pela linguagem. A parcialidade entrega-se logo de
cara. Vale anotar que não vejo mal algum na parcialidade em si — a bem dizer,
jornalismo imparcial é expressão beirante ao oximoro. Tanto assim que, nas grandes
capitais do mundo democrático, jornais impressos de linha editorial
“conservadora” e “progressista” rotineiramente se confrontam pela preferência
do público, sem esconder a distinção de valores entre um e outro. No Brasil, o
“monopólio de fato” (ou, em São Paulo, o “cartel”, digamos assim) contribuiu à
hegemonia petistóide sobre a imprensa. Mas deixemos a digressão para depois.
Quando essa espécie de mídia obriga-se a apresentar uma
personalidade liberal ou conservadora que, à revelia sua (da mídia), fez-se
notória entre o público, o primeiro adjetivo que lhe aplicam vem embalado na
seguinte fórmula: “Fulano de Tal é polêmico”, ou “sustenta opiniões polêmicas”,
de modo que a polêmica lhe é intrínseca. Serve como alerta ao público para
manter distância do problema. Rosário, todavia, “atrai polêmicas”. Eis um
convite para que alguém a defenda: a coitadinha não o escolheu, é uma vítima
das circunstâncias. Como o sujeito que andava pela rua e, “pimba!”, atrai um
raio em dia ensolarado. “Polêmicos são os outros, os que a perseguem, não ela”.
A linguagem, dizíamos, os revela.
Se a embalagem é reveladora, o conteúdo mistifica. Não
façamos como eles, pois. Sejamos sintéticos. Por que será que Maria do Rosário,
vá lá, “atrai polêmicas”? Conheço tipos como Rosário desde que me entendo por
gente (sim, acompanho política e atento aos petistas desde então). Sempre
disseram aquilo que bem entenderam, sob a simpatia de todos os tradicionais
“formadores de opinião”, passando-se por pontífices incontestáveis inclusive
nas maiores barbaridades. Detinham o monopólio da agressão, da afronta, do
achaque, do ataque, mesmo da ofensa — e o exerciam com gosto. “Polemizavam” em
monólogos furiosos contra tudo e todos — e nada, nem ninguém, atrevia-se a
“polemizar” com eles. Rosário já estava lá.
Foi a dinamização das redes sociais a possibilitar que o
brasileiro médio respondesse às Rosários de muitos nomes, e a ação educadora de
personalidades como Olavo de Carvalho (com bibliografia e cultura fartas,
outrora inacessíveis em Terra Brasilis, país até então submetido a verdadeiro
bloqueio editorial) a lhe permitir discernir as raízes profundas de
comportamentos verdadeiramente alucinados como os da parlamentar, que
veementemente [so]nega a realidade em favor da ideologia — algo que, de outro
modo, chocava a população ao ponto de torná-la atônita, balbuciante apenas, e
que hoje, e somente hoje, as pessoas comuns descobrem palavras aptas a
verbalizar.
Rosário “atrai polêmicas” porque, na companhia de seus
partidários, dedicou a vida a procedimentos calculados com o estrito fito de
destruir a sociedade e assaltar o patrimônio moral de cada cidadão. Não se
trata, aqui, de um libelo contra sua pessoa: é precisamente essa a estratégia
preconizada por Marcuse, autor caríssimo à “new left” e, pois, ao partido
governante. Seus passos envolvem o fomento ao crime, a promoção intransigente e
sistemática de elementos disruptores da paz social, a despersonalização do
criminoso — especialmente o mais violento —, que deixa de ser indivíduo
responsável por seus atos para se converter em “vítima do sistema”. Um sistema,
pois, que se há de sabotar.
Rosário e o PT desejam ardentemente o caos e a falência da
legalidade, crentes de, com seu advento, poderem reconstruir, sobre a ruína da
“sociedade burguesa”, sua própria e particular utopia. Assim está escrito, não
por seus críticos, senão por seus inspiradores — e é ela própria, e bem assim
os documentos internos de partidos como o seu, a reconhecerem-no.
Rosário “atrai polêmicas” porque aqueles a quem ela tenciona
destruir, vejam só!, após cinquenta anos encontraram, pela primeira vez, armas
— retóricas — com as quais se defender. E defendem-se como podem: ela os
bombardeia com os canhões dos jornalões; o orçamento de quarenta ministérios;
projetos de lei no parlamento; ativismo judicial o mais fraterno; o apoio de
toda a base alugada; a cumplicidade da academia sitiada, onde o debate há muito
morreu. Os brasileiros respondem com as pistolinhas d'água de comentários em
redes sociais. E, ainda assim, a valente parlamentar, com suas “décadas de
luta”, corre em afetação histérica a cada gotinha de H2O que respinga em suas
madeixas guerreiras.
Ao contrário do que infere o jornal, o público pensante não
responde a Rosário, nem a satiriza, por uma “compreensão insuficiente de sua
luta por direitos humanos”. Enquanto não a compreendiam, estavam calados.
Compreendem-na agora, e otimamente. Por isso resistem.
Publicado no site de Percival Puggina
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