Por Percival Puggina
Os fundadores do PT
viam-se como agentes de um processo revolucionário. Frei Betto, em artigo de
2007, assim descreve os anseios dos vitoriosos de 2002: "A lua seria o
nosso troféu. Haveríamos de escalar suas montanhas e, lá em cima, desfraldar as
bandeiras da socialização compulsória". O nome disso é revolução. E
nenhuma causa revolucionária consegue ser compatível com o Estado de Direito. A
revolução por dentro do regime democrático, sem sangue, como sonhou o PT, é uma
lavoura que, entre outros requisitos, precisa ser irrigada com dinheiro.
Dinheiro para as campanhas eleitorais, para a militância e para os movimentos
sociais controlados pelo partido, para manter operante um exército de
jornalistas e formadores de opinião. É preciso ter e manter multidão de agentes
que começam no sanduíche de mortadela, mas miram o topo da cadeia alimentar
revolucionária, onde estão a lagosta ao thermidor e o Romanée-Conti. O
sanduíche é meio e não fim de toda jornada socialista. Não conheço um só
revolucionário que queira o comunismo para continuar batendo cartão e operando
a mesma máquina.
Numa democracia, o
poder é buscado dentro da regra do jogo, dentro da lei. No entanto, se o
objetivo é revolucionário, pertence à própria natureza do processo que seus
agentes se considerem acima da lei. A causa vem antes e lhe é superior. A lei
que não convém à causa é iníqua e não merece respeito. Na primeira etapa,
então, se instala esse sentimento de superioridade em relação à ordem jurídica.
Face bem visível do que descrevo pode ser observada nos assim chamados
"movimentos sociais". Quem se opõe às suas ações é acusado de
criminalizá-los. Por quê? Porque quem está acima da lei não comete crimes.
É aí que se começa a
explicar o incomparável desastre moral que acometeu o PT. A mentira vira
argumento. Calúnia, difamação e injúria ganham utilidade política. Fatos são
substituídos por versões. A verdade perde interesse e utilidade. E por aí vai a
decência para o brejo.
As reações que
surgem nestas horas às ações da PF, do MPF e do juiz Sérgio Moro são motivadas
pelo mesmo fenômeno. Ou seja, o petismo ainda não caiu em si. Na fala do
presidente Rui Falcão, na gritaria dos militantes no aeroporto de Guarulhos, no
posterior discurso de Lula à claque petista, percebe-se a mesma convicção:
todos supõem ser devida a seus líderes e ao partido uma reverência que os
tornaria inatingíveis pela Justiça. E à sombra dessa reverência deveriam ficar
resguardadas as condutas mais suspeitas e a vertiginosa prosperidade pessoal e
familiar de tantos. A infinita sucessão de escândalos não é entendida como
conduta fora da lei, mas situação normal para quem está acima dela.
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Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é
arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista
de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra
o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do
Brasil. integrante do grupo Pensar+.
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