
Michel Foucault, célebre pensador, filósofo e
médico-psiquiatra francês revolucionou a década de 70, do século passado,
afirmando que, afora a demência, todas as doenças mentais são conseqüência de
pontos de vista culturais vigentes na sociedade em certo momento histórico.
Haja vista a homossexualidade, classificada na década de 50
como doença, incluída no Catálogo Internacional da ONU, e hoje percebida como
um comportamento agradável e até motivo de orgulho pelos praticantes, chegados
e participantes. Esse movimento acompanha, como repetição ou farsa, os costumes
da Grécia antiga, que, no século V aC., apoiavam a homossexualidade como
comportamento socialmente aceito, assim como o materialismo e a idolatria de
diversos deuses, ditos “olímpicos”.
No Brasil, ganha corpo uma legislação para incorporar a
homossexualidade como comportamento aceito e o repúdio, incluído como delito
penal, da homofobia. Só falta uma lei que nos obrigue à prática, contrariando
as célebres disposições do Deuteronômio.
Em nosso país, por outro lado, sempre aceitamos o ladrão
famoso e rico, o ladrão das elites, como digno de admiração silenciosa e até de
elogios cochichados. O honesto subjugado, ou seja, aquele que mesmo que deseje,
jamais consegue roubar, por medo ou incompetência, sempre admirou a capacidade
crítica dos rompedores, dos grandes vigaristas que desafiam as leis caretas e
se lançam em enormes tacadas, com suas malas pretas, estilo 007. Os pequeno-
burgueses ufanam-se dos protagonistas, transgressores das leis, formadores de
quadrilhas, até então inexpugnáveis.
Por outro lado, os brasileiros acham insuportável aquela
rama da sociedade que furta galinhas ou pedaços de queijo, os ignorantes que
praticam pequenos delitos, seja por fome, pobreza ou falta de instrução: esses
recebem o opróbrio público pela ausência completa de “savoir-faire” e abarrotam
as Varas criminais, enchendo o saco dos atarefados juízes, que sempre têm mais
o que fazer. Resultado: essa escumalha abarrota as penitenciárias de negros,
pardos e pobres, traçando o perfil dos apenados, como uma escória sem voz nem
vez.
Os heróis, por conseguinte, estão na outra ponta ou no
vértice da pirâmide social. Sua malandragem é socialmente aceita e muito
admirada. Grana no exterior, tacadas na bolsa, operações de caixa 2,
superfaturamento em obras públicas, contas em paraísos fiscais, empresas de
fachadas para “esquentar” dinheiro, laranjas abonados com imóveis e fazendas,
comissões do tráfico de drogas e de armas, subornos a políticos e juízes –
enfim, há um séquito incontável de bueiros por onde escorre o dinheiro sujo,
objeto da secreta admiração de numerosos brasileiros.
Essa disposição psicológica, porém, vem arrefecendo
culturalmente por dois motivos: o aparecimento da Internet e o fortalecimento
da cidadania através de franquias democráticas. Hoje, a polícia federal, que é uma
entidade de investigação digital, pode pegar os grandes ladrões pela gola e o
imposto de renda pode seguir, se quiser, os sinais exteriores de riqueza, como
já faz o seu congênere norte-americano há mais de cinqüenta anos.
No entanto, sobra uma peninha nessa discussão: como conceber
que pessoas ricas, abonadas às vezes de berço, tentem se locupletar com mais
dinheiro e bens, exibindo aquela velha mentalidade de que meter a mão no
dinheiro público não é pecado, porque “ele não é de ninguém”?
Tal elite patrimonialista e atrasada poderia sofrer o
julgamento reverso às considerações de Foucault, no passado. De admirados
personagens, esses donatários da corrupção seriam classificados como indivíduos
geneticamente perturbados por afecção patológica, catalogável
internacionalmente. Não que isso os eximisse de culpa ou de cadeia. Mas seria
um avanço tecnológico para a compreensão forense desses comportamentos
delituosos, típicos de certos empresários e políticos.
Aliás, com as instâncias recursais permitidas pelo nosso
Código de Processo Penal, somadas à belíssima figura constitucional da
presunção da inocência, que só favorece os delinquentes ricos ou os
executores de crimes hediondos, muitos escapam das malhas da lei e só são
condenados quando as penas já estão prescritas ou quando o próprio criminoso já
morreu, tornando a execução da pena uma tarefa completamente paranormal.
A propensão genética para furtar ou roubar não está adstrita
apenas à cleptomania, que afeta indistintamente, como doença, até personagens
de boa reputação. É uma tendência mais profunda que deveria ser estudada, de
modo mais atento, nesse país, em que os grandes tubarões têm necessidade de
engolir grandes quantias, formando quadrilhas e lobbies cujos vestígios agora
aparecem na insegurança das brechas deixadas pela informática.
Os grandes ladrões não atiram, são documentalistas e
internautas, empregam centenas de pessoas que nem desconfiam de suas atividades
e até cumprem, de fachada, belos papéis sociais. Fico pensando como deve ser
duro para um juiz, de causas cíveis, ganhando menos de 30 mil reais ao mês,
julgando causas de 200 milhões de dólares de réus louros, de olhos azuis,
sorridentes e confiantes à esperada das sentenças.
Tais magistrados são torturados, porque são funcionários de
Estado sem participação nos lucros ou qualquer comissão pelas sentenças. Como a
Justiça sempre ganha, no processo acusatório, seja de uma parte ou de outra, o
dinheiro das causas reverte para palácios suntuosos, olhados de longe pelo povo
admirado que, quase sempre neles não entram.
Sou, por conseguinte, inteiramente favorável a que os
juízes, desde a primeira instância, recebam comissões sobre as sentenças, a
partir de certo patamar e do grau de morbidade das causas, incluindo aí as
consequências sociais e exemplares dos delitos e que os médicos forenses possam
avaliar neurológica e psicologicamente o comportamento de nossos delinquentes
milionários, a fim de ofertar ao mundo uma contribuição brasileira para a
mitigação de uma doença tipicamente nacional: a nossa velha propensão genética
para roubar e se apropriar, alegremente, do que é alheio.
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Waldo Luís Viana é escritor, economista, poeta e não tem
nenhum juiz na família. Artigo extraído do livro: "A propósito do meu
conservadorismo assustador" (2015).
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