Por Olavo de Carvalho
Esta é a
página que, segundo o Facebook, “não viola as regras da comunidade”.
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Andei
lendo, nos últimos dias, Till We Have Faces, a majestosa obra-prima
em que C. S. Lewis toma de Apuleio o mito de Eros e Psique e o reconta à sua
maneira. A narrativa é escrita na primeira pessoa pela princesa e depois rainha
Orual, a irmã mais velha e mais feia da bela Psique, e assume a forma de um
tremendo libelo contra os deuses, acusados de, sob a proteção da invisibilidade
e da distância inacessível, fazer da vida humana um jogo arbitrário e cruel.
Justa e
valente ao ponto de bater-se pessoalmente em duelo vitorioso contra o rei de um
país inimigo, e educada, ademais, nos princípios da filosofia grega, Orual
busca em tudo uma razão de ser, e não encontra. Sua revolta contra o destino
chega ao auge quando os deuses lhe roubam a irmãzinha querida, a única alegria
da sua triste vida, para fazer dela a esposa de um ser misterioso – um monstro,
talvez – cujo rosto é proibido contemplar.
Quanto mais
Orual se rebela, mais os deuses a perseguem, induzindo-a em erros e colocando-a
em situações absurdas que ameaçam levá-la à insanidade. O romance tem passagens
tão angustiantes que inspiram no leitor o “terror e piedade” da tragédia
clássica, mas o desenlace da história no além-túmulo não é nada trágico, pois
no fim das contas a rainha não é julgada pelos deuses perseguidores e sim pelo
“deus desconhecido” que tudo cura e redime.
Não vou dar
detalhes para não estragar a leitura. Mas para mim foi uma sorte estar lendo
esse livro justamente numa ocasião em que tudo em volta me induzia a meditar
sobre o destino paradoxal do cidadão numa democracia moderna, investido de
direitos legais sublimes, mas submetido a poderes cada vez mais distantes e
inacessíveis que o controlam, manipulam e atormentam num jogo de gato e rato.
Anos atrás
li, não lembro onde, uma profecia budista de que no fim dos tempos os homens
seriam deuses para os homens. Na época imaginei que se tratasse de um culto
idolátrico, mas hoje entendo que não é preciso render-lhes culto para que
alguns homens tenham os meios de reduzir o seu concidadão menos poderoso à
condição de um rato que se debate em vão entre as garras de um gato invisível.
O que os torna divinamente inalcançáveis não é nenhuma magia celeste, é a trama
densa e indeslindável das leis, da burocracia e dos recursos tecnológicos
postos à disposição de quem possa comprá-los. Governos, serviços secretos,
partidos políticos, organizações revolucionárias e mega-empresas
transformaram-se em réplicas simiescas, mas não menos temíveis, dos deuses da
antigüidade.
Eu poderia
citar como exemplo o caso da pobre Debbie Schlussel, a colunista americana que
em 2008, antes das eleições presidenciais, descobriu o certificado de
alistamento militar grosseiramente falsificado de Barack Hussein Obama, prova
cabal de que o candidato era um criminoso chinfrim, sem qualificações para
obter uma licença de porte de arma ou mesmo um emprego de balconista do
Walmart. Até hoje essa verdade patente, visível a olho nu, enfrenta em vão a
resistência sem rosto de poderes invisíveis e onipresentes (muito parecidos com
o partido dos sonhos de Antonio Gramsci) que insistem em encobri-la com piadinhas
evasivas mesmo depois de sete anos de desastres presidenciais sem fim, que
poderiam ter sido evitados antecipadamente mediante uma simples queixa na
polícia. A capacidade de desconversa desses fantasmas é ela mesma
fantasmagórica. Sempre que se fala em documentos falsos, eles respondem em
únissono: “O presidente não nasceu no Quênia.” Não contestam a acusação: mudam
a identidade do acusador, forçando-o a patinar em falso. De onde vem essa
oposição perversa, uniforme e obstinada? Nem todas as especulações dos teóricos
da conspiração poderiam responder a essa pergunta envolta numa trama
indeslindável de subterfúgios, que elas só tornam ainda mais enigmática. Pobre
Debbie, pobre Orual.
Mas não
preciso ir tão longe. Eu mesmo, durante a semana, vivi o papel do rato preso
entre garras invisíveis. Se o leitor me permite, conto a história.
Como muitos
outros escritores e jornalistas, uso o Facebook como canal de comunicação
diária com o meu público leitor. Entremeando considerações filosóficas, piadas,
recordações curiosas e invectivas contra o governo mais corrupto de todos os
tempos, fui ampliando esse público até chegar além de 220 mil seguidores.
Muitos deles, em 15 de março, foram às ruas com cartazes “Olavo tem razão”,
protestando contra o silêncio ominoso da mídia e dos políticos em torno de
denúncias que eu vinha fazendo desde 1993 contra o esquema comunopetista – ou
comunolarápio -- de apropriação do Estado.
Em 2013,
tudo correu bem. O único inconveniente eram páginas repletas de caricaturações
maldosas e pueris, quase sempre anônimas -- o primeiro mas ainda nada alarmante
sinal das garras invisíveis – que em reação me acusavam de tudo quanto era
crime e me catalogavam, ao mesmo tempo, como espião do Mossad e agente
islâmico, gnóstico maçom e fundamentalista cristão, nazista camuflado e
comunista enrustido, além de fuçar a vida da minha família e recontar a minha
biografia em tons horripilantes, com honestidade luliana e o senso cronológico
de um drogado em plena bad trip.
A partir de
2014, porém, quando as verbas de propaganda concedidas pelo governo federal ao
Facebook cresceram 118 por cento em comparação com o ano anterior (v. https://tecnoblog.net/180893/facebook-verba-publicitaria-governo/),
tudo mudou. Minha página passou a ser bloqueada a todo momento, sob as
alegações mais levianas e despropositadas, enquanto as páginas que me acusavam
até de assassinato eram, quando denunciadas pelos meus seguidores, abençoadas
pelo Facebook com a garantia de que “não violavam as normas da comunidade”.
Normas que, só posso concluir, lhes asseguravam o direito à prática impune do
crime de calúnia, fazendo portanto do próprio Facebook uma organização
criminosa, como aliás acontece com toda empresa que vai para a cama com o PT.
Agora, nas
semanas em que vão ocorrer novas mega-manifestações de rua contra o descalabro
petista, veio um novo bloqueio, desta vez por trinta dias, de modo que eu não
possa me comunicar com o público durante os protestos.
Só um
mentecapto veria aí uma mera coincidência, pois o pedido de bloqueio partiu
justamente da mesma página do MAV (Núcleo de Militância Virtual do PT), que me
faz acusações caluniosas sob a proteção do Facebook (v. ilustração).
Como eu
passasse a postar mensagens pela página da minha esposa, esta foi bloqueada
também.
Quem são os
agentes por trás dessa operação? Quem são os mavistas que a executam? Quem, na
alta direção do Facebook, decidiu apoiar tão descaradamente crimes de calúnia e
ainda perseguir a vítima?
Abrigados
por trás de uma confortável invisibilidade, fazendo em pedaços a Constituição
brasileira que proíbe o anonimato, os deusinhos do MAV e do Facebook infernizam
a vida do cidadão e divertem-se a valer como larvas em festa no fundo do seu
esgoto olímpico.
Fonte: Mídia Sem Máscara
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