Por Rogério Furquim Werneck
Há poucos meses, ao se dar conta das reais proporções da
devastação fiscal ocorrida no primeiro mandato da presidente Dilma, o país foi
levado a crer que os danos poderiam ser reparados num par de anos. Submetido a
novo choque de realidade, contudo, constata agora que os desdobramentos da
devastação fiscal deverão ser muito mais custosos e prolongados do que supunha.
No embate que se travou dentro do governo, prevaleceu, como
se temia, a ideia de um ajuste fiscal bem menos ambicioso do que o que fora
prometido. Como isso deverá implicar elevação persistente e substancial da
dívida pública como proporção do PIB, é bem provável que o país perca o grau de
investimento. E que tenha de enfrentar condições muito mais adversas para
reconstruir a economia e retomar o crescimento.
É nesse clima de desalento com as perspectivas da economia e
de indignação com as enormes dificuldades de reparar os danos da devastação
fiscal dos últimos quatro anos que as contas de 2014 da presidente Dilma
deverão ser apreciadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e, em seguida,
pelo Congresso.
Os problemas que a presidente vem enfrentando no TCU
decorrem, em boa medida, de lambanças cometidas no calor da campanha eleitoral,
para dissimular, a qualquer custo, a gravidade da deterioração das contas
públicas. Tendo deixado de repassar às instituições financeiras federais
recursos suficientes para bancar as transferências governamentais pagas por
essas instituições, o Tesouro apelou para as chamadas pedaladas fiscais. Para
não sustar os pagamentos das transferências, permitiu-se “entrar no cheque
especial”, ou seja, contrair dívida com as instituições financeiras que
controla, o que é estritamente vedado pela Lei de Responsabilidade Fiscal
(LRF).
As pedaladas fizeram parte de uma operação de dissimulação
mais ampla, cuidadosamente concertada. Em agosto de 2014, enquanto o ministro
Guido Mantega continuava reiterando o compromisso do governo com a meta de
superávit primário de 1,9% do PIB, dirigentes das instituições financeiras
federais já não escondiam sua preocupação com os montantes dos saldos em
vermelho nas contas do Tesouro (“Folha de S.Paulo”, 17 e 22/8/2014). A farsa
seria mantida por dois meses mais. Às vésperas do primeiro turno da eleição, o
então secretário do Tesouro, Arno Augustin, “muito satisfeito” com a
“bem-sucedida” política fiscal, continuava asseverando que a meta de 1,9% do
PIB ainda seria cumprida (“Estadão”, 1/10/2014).
Reeleita a presidente Dilma, em segundo turno, a desatinada
operação de dissimulação pôde, afinal, ser desmontada. O que se seguiu foi bem
sintetizado pelo título de uma matéria do “Estadão” de 1º/11: “Governo para de
‘pedalar’ e gastos disparam”. Quando as reais dimensões do rombo fiscal de 2014
foram, por fim, conhecidas, constatou-se que, em vez de um superávit primário
de 1,9% do PIB, o setor público gerara um déficit de 0,6% do PIB.
Desde que a LRF foi promulgada, em 2000, jamais se vira
descalabro fiscal parecido. Pelo vulto que adquiriram, as pedaladas foram
cruciais para esconder do eleitorado as reais proporções do desastre.
Alega agora o governo que o tamanho da violação não importa.
E que, no passado, o TCU fechou os olhos para irregularidades similares.
Agarrando-se ao formalismo de quem acredita que merece a mesma condenação quem
rouba um pão ou um bilhão, a Advocacia-Geral da União (AGU) argui que “usar o
cheque especial não tem nenhuma relação com o volume, mas com o fato de usar o
cheque especial”. E que, “se for para revisar o passado, temos de condenar todo
mundo, todos os governos anteriores” (“Estadão”, 24/7).
Temendo o pior, a AGU quer pautar a decisão do TCU: “Não há
uma avaliação de conduta aqui, mas das contas. Não é possível responsabilizar a
presidente” (“Estadão”, 23/7). Mas, tendo em vista quem se beneficiou com as
pedaladas e o desolador atoleiro fiscal em que o país foi metido, será difícil
convencer o tribunal – e, mais ainda, o Congresso – de que a conduta da
presidente não vem ao caso.
Publicado no jornal “O Globo” de 31 de julho de 2015
Fonte: Clube Militar
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Rogério Furquim Werneck é economista e
professor da PUC-Rio
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