Como pôde durar tanto a vigarice protagonizada por um
compulsivo colecionador de fiascos? Já em 1968, quando entrou em cena fantasiado
de líder estudantil, nosso Guevara de galinheiro namorou uma jovem chamada
Heloísa Helena sem saber que convivia dia e noite com “Maçã Dourada”, espiã a
serviço da ditadura militar. Se quisesse prendê-lo, a polícia nem precisaria
arrombar a porta do apartamento onde o casal dormia: a namorada faria questão
de abri-la. No mesmo ano, a usina de ideias de jerico resolveu que o congresso
clandestino da UNE marcado para outubro, com mais de mil participantes, seria
realizado em Ibiúna, com menos de 10.000 moradores.
Intrigado com o tamanho da encomenda ─ 1.200 pães por manhã
─ o padeiro que nunca fora além de 300 por dia procurou o delegado, que ligou
para a Polícia Militar, que prendeu todo mundo. Libertado 11 meses pelos
sequestradores do embaixador americano Charles Elbrick, declarou-se pronto para
recomeçar a guerra contra a ditadura, fez uma escala no México, aprendeu a
empunhar taças de tequila e enfim entendeu que chegara a hora de matricular-se
num cursinho de guerrilha em Cuba que, por falta de verba para balas de
verdade, municiava os futuros revolucionários com balas de festim.
Combatente diplomado, submeteu-se a uma cirurgia para que o
nariz ficasse adunco antes de regressar ao Brasil na primeira metade dos anos
70. Percebeu que a coisa andava feia assim que cruzou a fronteira e, em vez de
mandar chumbo no campo, mandou-se para Cruzeiro do Oeste, interior do Paraná,
armado de documentos que o apresentavam como Carlos Henrique Gouveia de Mello,
comerciante de gado. Logo se engraçou com a dona da melhor butique da cidade,
adiou por tempo indeterminado a derrubada do governo e se entrincheirou na
máquina registradora do Magazine do Homem.
Em 1979, a decretação da anistia animou o forasteiro
conhecido no bar da esquina como “Pedro Caroço” a contar quem era à mãe do
filho de cinco anos e avisar que precisava voltar à cidade grande. Afilou o
nariz com outra cirurgia e reapareceu em São Paulo ansioso por recuperar o
tempo perdido. A gula e a pressa aceleraram a expansão da cinzenta folha
corrida. Deputado estadual e federal pelo PT paulista, rejeitou todas as
propostas de todos os governos. Presidente do partido, instalou Delúbio Soares
na tesouraria. Com o triunfo de Lula em 2002, o pecador trapalhão foi agir na
capital federal.
Capitão do time do presidente, mandou e desmandou até a
erupção do escândalo inaugural: um vídeo provou que Dirceu promovera a Assessor
para Assuntos Parlamentares o extorsionário Waldomiro Diniz, com quem havia
dividido um apartamento em Brasília. Era só mais um no ministério quando, em
2005, o Brasil ficou sabendo que o chefe da Casa Civil também chefiava a
quadrilha do mensalão. Despejado do emprego em junho, prometeu mobilizar deus e
o mundo, além dos “movimentos sociais”, para preservar o mandato em perigo. Em
dezembro, conseguiu ser cassado por uma Câmara que inocenta até a bancada do
PCC.
Sem gabinete no Planalto ou no Congresso, sem rendimentos
regulares e sem profissão definida, escapou do rebaixamento à classe média ao
descobrir o mundo maravilhoso dos consultores de araque. Com a cumplicidade dos
afilhados que espalhara pela administração federal, Dirceu não demorou a
tornar-se um próspero facilitador de negociatas engendradas por capitalistas
selvagens. Em 2012, o julgamento do mensalão ressuscitou o perseguido político:
de novo, jurou que incendiaria o país se o Supremo Tribunal Federal fizesse o
que deveria fazer. Condenado por corrupção ativa e formação de quadrilha,
entrou no presídio com um sorriso confiante e o punho erguido.
Tropas comandadas por um guerrilheiro de festim só conseguem
matar de riso, repete esta coluna há seis anos. As dúvidas que assaltaram
muitos leitores foram dissolvidas pela implosão do embuste. O guerreiro do povo
brasileiro era apenas um caçador de pixuleco.
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