Por Olavo de Carvalho
Toda idéia que se condensa num chavão torna-se imediatamente
estúpida, se é que já não o era desde o início e por isso mesmo se acomoda tão
confortávelmente nesse formato. Há anos ouço falar de “enxugar o Estado”. À
primeira vista parece a resposta lógica natural à constatação de que de que os
problemas do Brasil provêm de a sociedade civil ser muito débil e o Estado
muito forte – tão forte que consegue subjugar as organizações da sociedade
civil. O PT jamais teria conseguido concentrar tanto poder sem a ajuda da OAB,
da CNBB e de milhares de ONGs que, nascidas da iniciativa social espontânea,
acabaram se transformando numa espécie de funcionalismo público informal. O sujeito
vê isso acontecendo e exclama: “Enxugar o Estado!”
Parece sensato, mas há um problema: Quem enxugará o Estado?
O próprio Estado. Enxuga-se privatizando. E, na medida em que privatiza, cria
uma rede de cumplicidades privadas que estenderão o poder do Estado – agora
anônimo, informal e quase invisível – até os últimos confins da vida social.
Tudo converge no sentido da constante histórica descrita por Bertrand de
Jouvenel no seu clássico Du Pouvoir: Histoire Naturelle de Sa Croissance: Haja
o que houver, façam os seus inimigos o que fizerem, o poder do Estado sempre
cresce. Cresce quando centraliza, cresce quando se divide e se dispersa, cresce
quando faz e quando desfaz, cresce agindo e cresce dormindo.
As análises liberais correntes que repetem ad nauseam o
grito de alerta de José Ortega y Gasset, “El mayor peligro, el Estado!” estão
certíssimas, no essencial, mas pecam por imaginar que o poder crescente do
Estado se baseia sobretudo em mecanismos materiais de controle, como o
monopólio da força física ou da economia.
A grande força do Estado moderno não está nisso, mas em algo
que Hegel percebeu melhor do que ninguém: o Estado é a mais vasta e complexa
criação da inteligência humana, a encarnação suprema da Razão. Comparado à
organização estatal, mesmo o conjunto das ciências existentes não passa de uma
mixórdia de teorias contrapostas, grupelhos em disputa e preferências
irracionais. Cada ciência pode ser muito racional no seu próprio terreno, mas
não existe nem pode existir uma articulação teórica integral, uma organização
interna e científica do conjunto das ciências. O único princípio unificador
desse conjunto é de ordem administrativa e burocrática. É o Estado. Tanto que
uma teoria científica, por mais cientistas que a endossem, só adquire a
autoridade pública de uma verdade universalmente reconhecida quando vem a ser
absorvida pelo Estado e incorporada na legislação. Acima da comunidade
científica, acima da “opinião pública” mais letrada que se possa imaginar, o
Estado é o juiz supremo e final de todos os conhecimentos humanos.
Contra uma entidade assim constituída, em vão esperneará o
economista argumentando que a economia liberal é mais eficiente do que uma
economia estatizada. Pois a economia não passa de uma ciência entre outras, e
nenhuma ciência poderá jamais se sobrepor ao conjunto de todas elas, no topo do
qual brilha a Razão encarnada no Estado.
O Estado torna-se assim o juiz último de todas as questões
humanas, e não somente daquelas assinaladas no definição jurídico-formal da sua
“área de competência”.
A conseqüência prática é que mesmo aqueles que desejariam
ardentemente diminuir os poderes do Estado não vêem outra maneira de fazê-lo
senão por meio do próprio Estado, e suas belas intenções acabam sendo
trituradas pela máquina da racionalidade estatal.
Agora mesmo, no Brasil, quando tantos se queixam do Estado
comunopetista invasivo e onipotente, não enxergam outra maneira de livrar-se
dele senão pela disputa parlamentar e judicial, pela reforma das leis e
instituições e, em suma, pela ação dentro do Estado.
Com isso, a sociedade civil torna-se ainda mais fraca, mais
incapaz de organizar-se e agir. Esse círculo vicioso não não será quebrado
enquanto o monopólio estatal da razão não for desmascarado. Como fazer isso, é
tema que ficará para um artigo vindouro.
Publicado no Diário do Comércio.
Fonte: Mídia Sem Máscara
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