Por Merval Pereira
Fachin ontem nem
precisou explicitar o pedido para esquecerem o que escreveu. Ele mesmo tratou
de fazer uma releitura de anos e anos de militância jurídica, explicando que
todas as ideias polêmicas que defendeu ao longo de sua vida eram apenas
questões que estavam sendo "problematizadas" em discussões
acadêmicas, e não representam o pensamento que vai guiá-lo se for aprovado pelo
Senado para o STF . Na verdade, o que se viu ontem no Senado foi um jurista
quase conservador, defensor da tradição, família e propriedade. Ao jurista que
escreveu um prefácio de um livro a favor da bigamia, afirmando que as ideias
pertenciam a "mentes generosas e corajosas, preocupadas incessantemente
com o que nos define como humanos", o jurista sabatinado respondeu ontem :
"sempre acreditei que os valores da família , de pátria e de nação são
fundamentais para progredir".
O jurista "que
tem lado" escreveu, sobre a bigamia, que "quem se acomoda no dogmatismo
enclausurado ou (...) elimina a instância jurídica como instrumento de
emancipação " não cabe em um bonito sonho sobre "(...) as propostas
que embalam significantes e significados no berço que desempacota os nós de
alguns ninhos". Mas ontem foi às lágrimas quando se referiu ao casamento
de quase 40 anos com a desembargadora Rosana Amara Girard Fachin, e aos filhos,
todos presentes. Sobre propriedade privada, Fachin escreveu que "o
instituto da propriedade foi e continuará sendo ponto nevrálgico das discussões
sobre questões fundamentais do país. (...) De um conceito privatista, a
Constituição em vigor chegou à função social aplicada ao direito de propriedade
rural. É um hibridismo insuficiente, porque fica a meio termo entre a
propriedade como direito e a propriedade como função social. Para avançar,
parece necessário entender que a propriedade é função social."
Nos vídeos que
mandou colocar na internet e nas palavras que disse ontem no Senado, Fachin
acha que a propriedade é um direito fundamental e, como tal, nós devemos
seguramente obediência a esse comando constitucional. "Por que a
Constituição é o nosso contrato social. [...] Nenhum de nós pode ter uma
Constituição para chamar de sua ". Garantismo constitucional e valores
cristãos e democráticos podem ser as definições de seus compromissos mais
profundos, segundo afirmou ontem. A certa altura, como quem não queria nada,
lembrou que fora coroinha de igreja quando criança, a ressaltar suas raízes
católicas. Fachin ressaltou sua formação civilista com louvores à democracia e
à necessidade de o Poder Judiciário não assumir funções que são próprias do
Legislativo: "O juiz não pode nem deve substituir o legislador",
disse numa homenagem aos sabatinadores . Foi de tal ordem a diferença entre o
Fachin de antes e o de depois da indicação, que parece que ele foi indicado por
certas virtudes na visão de Dilma que fez questão de negar no Senado, talvez
sentindo que seus pensamentos não correspondiam ao pensamento médio dos
senadores.
O senador Ricardo
Ferraço, que foi o primeiro a levantar a questão da dupla militância como
advogado — procurador do estado do Paraná e advogado particular ao mesmo tempo,
o que era proibido pela Constituição do estado quando assumiu a função na
Procuradoria — insistiu na denúncia, que foi rebatida por Fachin com os mesmos
subterfúgios de "expectativa de direito" pois era permitido quando
fez o concurso , e teve permissão da OAB local. O senador definiu Fachin, logo
no início da sabatina, como "vítima das suas convicções". Deve ter
chegado ao final com a convicção de que Fachin não tem convicções, apenas se
dispõe a "problematizar" os temas pelo gosto de um bom debate
acadêmico. Tamanha a diferença entre um Fachin e outro que o senador Cássio
Cunha Lima teve que perguntar se ele garantia que sua posição no Supremo
corresponderia ao seu depoimento, e não aos textos que escrevera até então.
Fachin garantiu que o que vale não é o que está escrito, mas o que falara
naquela sessão.
Fonte: Em Direita Brasil
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