Por Jeffrey Nyquist
“O comunismo é uma abstração dogmática e [...] uma expressão
particular do princípio humanista, ainda que esteja contaminado pela sua
própria antítese: a propriedade privada.” - Karl Marx, carta a Arnold Ruge, 1843
“Comecei a estudar intensivamente e criticamente [...] as
obras de Marx, Engels, Lênin, Stálin, Mao e outros ‘clássicos’ do marxismo.
Eram todos eles fundadores de uma nova religião — a religião do ódio, da
vingança e do ateísmo.” - Alexander N. Yakolev, Chefe da propaganda soviética
Alexander N. Yakovlev é conhecido como o “padrinho da
glasnost”. Ele subiu de cargo até tornar-se chefe do Departamento de Ideologia
e Propaganda do Partido Comunista da União Soviética de 1969 a 1973.
Entretanto, ele veio a publicar um artigo intitulado “Contra o anti-historicismo”,
em que são criticados os nacionalismos russo e soviético. Se ele tivesse apenas
criticado o nacionalismo russo seu cargo de propagandista do Partido estaria
seguro; todavia, seu exagero custou sua mudança de cargo: foi exilado para a
embaixada soviética no Canadá. Dada a importância do Canadá como país adjacente
aos Estados Unidos, essa foi de fato uma despromoção estranha; mas como
Yakovlev era um sujeito astuto e bem-apessoado — bem liberal para os padrões
dos oficiais soviéticos — ele tornou-se amigo próximo do Primeiro Ministro
canadense Pierre Trudeau, que na juventude havia sido ativista no Bloc
Populaire (apoiado pelos comunistas). Além disso, a entrada de Trudeau no
governo canadense deu-se com a ajuda de Robert Bryce, um amigo próximo do
espião soviético Alger Hiss.
Seria surpreendente se isso não tivesse similaridade com a
história da Chapeuzinho Vermelho, com Trudeau sendo a bela mocinha e Yakovlev
como o lobo vestido com as roupas da vovó. Todavia, situações típicas nem
sempre são típicas. O envio de um oficial soviético tão liberal para fazer
amizade com um premier canadense tão liberal, pode ter sido uma coincidência no
final das contas. Na verdade, talvez Trudeau era o lobo e Yakovlev a mocinha.
De qualquer forma, enquanto Yakovlev esteve no Canadá, teve tempo de pensar e
estudar e, por conseguinte, tornou-se um ‘cripto’ anticomunista. “Era uma vez”,
escreveu em sua introdução em estilo conto de fadas à edição russa do Livro
Negro do Comunismo, “quando percebi que o marxismo-leninismo não era uma
ciência, mas sim, no melhor dos casos, mau jornalismo — canibal e
automutilador.”
Imagine a dificuldade que passou Yakovlev quando subitamente
percebeu que era um cordeiro vestido em pele de lobo. E lá havia Pierre
Trudeau, um cordeiro em roupa de cordeiro. Talvez o adágio de Marx aplique-se
ao conto de fadas, pois primeiro ele é contado como tragédia, depois como
farsa. Na história original a Chapeuzinho Vermelho é devorada pelo Grande Lobo
Mau; mas desta vez, o Grande Lobo Mau começou a imitar a vovó e retornou para o
bando como reformador (se recusando a consumir garotinhas). De fato, uma
maravilhosa parábola! Se pudéssemos acreditar nisso... Yakovlev nos diz: “Desde
que passei a viver nas altas ‘órbitas’, incluindo a mais alta — o Politburo sob
Gorbachev — eu bem sabia que todas essas teorias marxista-leninistas eram
disparates.”
Todos podemos ver que as teorias marxista-leninistas são
disparates. Mas por que os planos estratégicos marxista-leninista seriam
disparates? Eles não conquistaram o sudeste asiático na década de 1970? E
quanto a todos aqueles países na África, América Latina e Ásia? Poderiam esses
planos um dia abrangerem a América do Norte? Essa pergunta traz à lembrança os
comentários do Gen. Jan Sejna sobre o plano soviético “Quando meus amigos [no
governo comunista tcheco] e eu estudamos o plano estratégico, nossas primeiras
reações foram idênticas: consideramos tudo muito irrealista...”
Mas isso era uma ilusão. Tão logo Sejna desertou rumo ao
Ocidente e viu como os americanos não tinham qualquer contra-estratégia, ele
escreveu: “Não consegui encontrar qualquer unidade, qualquer objetivo
consistente ou estratégia entre os países ocidentais. Não é possível enfrentar
o sistema soviético e sua estratégia com pequenas ações táticas. Pela primeira
vez passei a acreditar que a União Soviética conseguiria atingir seus objetivos
— algo que não acreditava na Tchecoslováquia.”
As longas visitas que Yakovlev fez a Pierre Trudeau não
serviram para convencê-lo que os planos soviéticos poderiam funcionar. A
disposição para ser “idiota útil” impediu que Trudeau prestasse atenção
naquilo. Apenas um interrogatório feito pela CIA poderia curar Yakovlev da sua
ilusão, assim como foi curado Sejna. Em vez de focar-se na estupidez ocidental,
Yakovlev viu que todo o sistema soviético era mantido por idiotas. Para ser
mais preciso, ele dividiu a elite do Partido em três categorias: (1)
inteligentes, (2) estúpidos e (3) muito estúpidos. Entretanto, os três grupos
eram igualmente cínicos (e ele mesmo se considerava no grupo desses cínicos).
“Nós ‘rezamos’ publicamente para nossos ídolos como se fossem ‘santidades’, mas
sempre mantivemos nossas verdadeiras crenças dentro de nós.”
Como Yakovlev perdeu sua fé no comunismo?
Era uma vez um grande professor chamado Stálin. Um dia
Stálin estudou. Três anos depois de sua morte, seu sucessor (Khrushchev)
denunciou Stálin como criminoso. Como resultado, Yakovlev e seu círculo de
amigos (inteligentes) perderam a fé no marxismo-leninismo. Eles discutiram as
perspectivas da democratização soviética. “Nós finalmente pensamos numa
abordagem que era simplesmente uma marreta. Promoveríamos as últimas ideias de
Lênin.” Incluir-se-ia aí a ideia da Nova Política Econômica (NEP), que
reintroduziria o capitalismo na Rússia. Antecipando objeções, ele escreveu:
“nosso grupo era real, não imaginário... E então desenvolvemos o seguinte
plano:
(1) Atacar Stálin e o estalinismo com a autoridade de Lênin.
(2) E então, se fôssemos bem sucedidos, atacar Lênin.
(3) Usar o liberalismo e o “socialismo ético” para atacar a
Revolução.
A ideia, disse Yakovlev, era destruir o partido através do
mecanismo disciplinar do partido. E tudo seria feito em nome do socialismo.
Yakovlev jactou-se: “Olhando para o passado, posso dizer orgulhosamente que
funcionou.”
Mas funcionou por quanto tempo?
Em março de 2004, escrevendo para o periódico NEPQ, Yakovlev
não estava mais orgulhoso. Ele escreveu: “Há uma crise democrática na Rússia de
hoje que foi resultado da vitória da Reação Socialista — foi a contra-revolta da [...] classe
burocrática contra a democratização e liberalização da última década”. O
primeiro passo rumo ao abismo, disse ele, foi “o retorno do hino nacional
estalinista, que me deixou atordoado. E o país começou a cantá-lo. Esse tipo de
ultraje contra nossa memória demonstrou que ainda somos escravos...”
Ele também afirmou:
De novo começaram os jogos favoritos dos bolcheviques. O
sigiloso é usado como método de intimidação. Os livros de história são atacados
pela ausência de ‘espírito patriótico’. Uma nova turma de sicofantas está começando
a entronar um novo ídolo no Kremlin; isso me lembra os detestáveis retratos dos
terroristas Lênin e Stálin nos encarando em todos os cantos da velha União
Soviética. É vergonhoso e perturbador.
Sim, o cordeiro retornou ao curral soviético, voltou àquelas
mesmas “teorias e planos” que Yakovlev tempos atrás considerou disparatadas. A
diferença é que agora deixaram de lado a ideologia. O que manteve-se foram os
velhos planos estratégicos. Como alertou ano passado o mártir da política
liberal, Boris Nemtsov, os dados orçamentários da Rússia mostram que Putin tem
se preparado intensivamente para a guerra desde 2010. De acordo com Nemtsov, a
guerra tem sido “política deliberada pela mais alta autoridade” da Rússia. Mas
como isso poderia acontecer se o alto escalão da inteligência russa havia
rejeitado tempos atrás as “teorias e planos” do período soviético? Se apenas
pessoas estúpidas acreditaram nesses planos disparatados, então como poderia a
Rússia retornar a eles? Aliás, será que a elite do Partido — a verdadeira elite
— alguma vez abandonou esses planos? Talvez Gorbachev tenha trazido o
cripto-liberal Yakovlev de volta do Canadá por uma razão cínica: não porque
Gorbachev concordava com o ódio que Yakovlev tinha pelo socialismo, mas porque
Gorbachev estava recrutando liberais para ocuparem posições de destaque para
que assim se pudesse “enganar o Ocidente” — expressão usada pela jornalista
investigativa Yevgenia Albats para caracterizar as mudanças na Rússia e União
Soviética sob Gorbachev.
Como observado pelo dissidente russo e estudioso Vladimir Bukovsky em entrevista dada a Robert Buchar, Gorbachev estava seguindo um plano
concebido anos antes, que tinha como fim salvar o comunismo através de uma
liberalização controlada. Quando foi repreendido por dificuldades que
sobrevieram após a execução do seu plano, Gorbachev disse aos seus colegas que
não era culpa sua. E como poderia ser? Ele estava apenas seguindo os mais de
duzentos documentos que delineavam passos que já estavam planeados
antecipadamente.
Neste caso, Yakovlev foi usado?
Essa possibilidade não deve ser descartada. Como um
anticomunista dentro do Partido Comunista Soviético, Yakovlev desfilou para as
câmeras e jornalistas ocidentais. Assim como a mulher barbada ou o
contorcionista de circo, ele era um produto altamente vendável. Por muitos anos
mantiveram-no em gelo canadense e próximo de alguém de temperamento parecido
(Trudeau), como se estivesse esperando para ser usado. Para persuadir o mundo
que Gorbachev falava sério quanto a democratização da Rússia, Yakovlev
desempenhou papel decisivo — autêntico em toda linha! Então, eventualmente, ele
foi despromovido no Politburo, depois alijado de lá em 1990 e, em 1991 foi
expulso do Partido Comunista dois dias antes do golpe de agosto que destruiu a
credibilidade política do Partido. Yakovlev havia cumprido seu propósito.
Parecia que, em todos os escritos e afirmações, Yakovlev era
anticomunista. Mas não podemos deixar de pensar na sua figura controversa. No
28º Congresso do Partido Comunista da União Soviética em julho de 1990, o Gen.
Lebed confrontou Yakovlev de maneira a trazer a questão à tona: “Alexander
Nicholaevich, quantas faces você tem?” Yakovlev ignorou a pergunta, que foi
indubitavelmente perturbadora. Como ele iria respondê-la? Como tantos membros
do aparato soviético, ele estava promovendo proposições anti-soviéticas desde
dentro do Politburo. Como isso seria compreensível?
Obviamente, um verdadeiro marxista não poderia fingir odiar
o marxismo da maneira que Yakovlev “fingia”. Isso estava além das capacidades
artísticas de Gorbachev — que parecia estar privadamente excitado pela
intrigante apostasia de Yakovlev, mas jamais poderia ele mesmo falar como um
verdadeiro anticomunista. Certamente deve-se admitir que Yakovlev queria matar
a ideologia soviética, e algo dentro dele gostava de fazer isso. Talvez os
demais seguiram o plano por ser mais uma jogada bolchevique; exceto pelo fato
de que esse jogo foi longe demais. Talvez, nesse caso, aqueles mesmos cínicos
inveterados não tinham escolha, pois a maré política estava baixando. O legado
estalinista tinha de ser apagado. O Ocidente tinha de ser enganado para que o
tigre soviético mudasse suas tiras ideológicas.
Num nível psicológico mais profundo, uma pessoa como
Yakovlev não é tão difícil de entender. No final das contas, ele foi possível
por causa do ódio subjacente que Khrushchev tinha por Stálin. Yakovlev foi a
extensão de uma inevitável atitude de remorso (inconscientemente sentida por
muitos ‘outrora’ comunistas soviéticos). Por fora, Yakovlev era um diretor do
aparato ideológico soviético que passou a odiar a ideologia comunista. Ele
odiava aquela linguagem pouco clara e forçada que tinham os discursos
previsíveis. Assim, ele estava perfeitamente adequado ao papel que desempenhou
como ajudante de Gorbachev. Pode-se dizer, e eu acho correto, que ele ajudou a
enterrar o marxismo-leninismo na Rússia (embora Lênin ainda esteja
desenterrado). Mesmo porque, a ideologia já estava morta antes do corpo de
Brezhnev esfriar — ou melhor, já estava morta há muito tempo. Mas a ideologia
marxista não estava morta no Ocidente, e isso não podemos esquecer. O Ocidente
estava incrivelmente vulnerável ao marxismo que, segundo Mao, era “melhor que a
bomba atômica”. Os ocidentais, como Alain Badiou, que tentaram reconstruir o
comunismo e reinterpretar Marx, revelaram suas intenções quando se mostraram
antiamericanos e antiocidentais (embora o Ocidente esteja se tornando um bloco
socialista por conta própria). Então é nisso
que tudo se reduz: há um desejo de destruir uma civilização, e a partir daí
busca-se um fundamento. O fundamento marxista nunca foi mais que uma desculpa.
Ademais, foi uma desculpa que deixou de soar verdadeira na Rússia. Mas para
levar o Ocidente a cometer suicídio, ela ainda pode servir.
O fundamento do marxismo estava destinado a tornar-se
obsoleto, é claro. O socialismo soviético foi um sistema inadequado. A
revolução proletária foi um mito, e as pessoas deixaram de acreditar nele. A
URSS foi um estado aquartelado que pensava em guerra nuclear. Stálin sabia
disso há muito tempo, e sabia o que deveria acontecer para que o sistema
sobrevivesse. Sem uma grande guerra, o país eventualmente se normalizaria.
Qualquer tentativa de falsa normalização era perigosa, pois abriria caminho
para oposição, e isso quebraria a disciplina do Partido.
Sim, a estratégia de longo alcance tornou o sistema
vulnerável a pessoas como Yakovlev da mesma maneira que o sistema neo-soviético
de Putin ficou vulnerável a infiltrados como Boris Nemtsov. Pessoas que odeiam
ditaduras podem vir de qualquer classe, de qualquer posição política. Na
Rússia, quem tem melhor perspectiva do sistema que aqueles que aproveitaram dos
seus benefícios? A oportunidade de despedaçar a União Soviética num ato de
simulada democratização era simplesmente deliciosa. Assim, apesar das melhores
intenções leninistas, a missão de Gorbachev de salvar o sistema soviético ao
convidar seus críticos estava duplamente condenada, pois num primeiro momento
ele deu espaço ao gênio anticomunista, e o sistema não podia mais colocar esse
gênio de volta na lâmpada. Seria preciso um homem como Josef Stálin, disposto a
perpetrar um genocídio em larga escala, para reinstaurar o marxismo-leninismo.
Mas hoje não há mais homens como Josef Stálin. Ele é uma figura única na
história, e Putin não parece estar psicologicamente adaptado para esse papel. O
moderno mundo das comunicações digitais molda Vladimir Putin, e
inconscientemente molda a imagem que ele busca projetar.
O sistema na Rússia de hoje é uma máquina frágil. Não se
impressione com os tanques, mísseis e submarinos. É tudo vazio por dentro.
Quando olhamos para os leais soldados da KGB que operam essa máquina, vemos
funcionários que tomaram os meios de produção, que colocaram os políticos
liberais sob mecanismos ocultos de controle. Mais que isso eles não podem
fazer, pois não possuem a mentalidade que é rodeada por conceitos mais
elevados. Esses siloviki preferem trazer de volta o velho sistema, entretanto
eles tiveram de se tornar um tipo diferente de animal para poder sobreviver.
Isso mesmo: os melhores dos chekistas tornaram-se homens da NEP; e quem vai
mudá-los para o que eram antes? De novo não há como conjurar Josef Stálin, e
apenas ele possuía a arte assassina necessária para trazer de volta alguém que
está na NEP. Somente Stálin era capaz de assassinar milhões e arranjar um jeito
de culpar os outros. Apenas Stálin pôde pacificar a Ucrânia fazendo com que
milhões morressem de fome. Hoje Putin está onde Stálin estaria se a NEP de
Lênin tivesse durado mais uma década.
Quão tolos foram os burocratas russos ao embarcar numa Nova
Política Econômica (NEP) no final da década de 1980 sem ter um plano para
voltar atrás. E então, tiveram de fazer a NEP coincidir com uma
desestalinização com nova roupagem! Erro após erro, parece em parte obra
daqueles homens cínicos do Partido Comunista. Ou será que não foi erro? Poderia
haver, inconscientemente e profundamente, um verdadeiro desejo de mudanças por
parte desses burocratas? A estratégia de longo alcance foi um caso de
auto-engano? Foi esse, na verdade, um caminho criado para escapar de uma
obrigação antiga de travar uma Guerra Nuclear Global Revolucionária?
Essas perguntas não podemos responder ainda. A única coisa
que podemos nos certificar é que Stálin teria purgado todos eles e começado do
zero, com jovens que ainda acreditam no Coelhinho Vermelho da Páscoa. E Stálin
teria dado início à Terceira Guerra Mundial. Isso é, com efeito, o que Putin
parece estar preparando. Mas ele pode motivar seu povo para esse fim? Ele
poderia justificar um atroz ato de agressão em que milhões morreriam? Mesmo que
ele use um grupo terrorista de fachada para atacar a América com armas
nucleares, ele terá de explorar esse terrorismo de maneira descarada — e daí
revelará seus intentos.
Deve-se admitir, claro, que a Federação Russa de hoje não é
a URSS. Putin não é Stálin. Seria o caso de dizer que, na verdade, Putin é um
perigo diferente. Ele é um matador seletivo que escolhe os verdadeiros
oponentes do regime, sem precisar recorrer ao assassinato de milhões de
sujeitos indefesos (como fez Stálin). Ao mesmo tempo, Putin tem por trás de si
uma mídia dissimulada e uma máquina de guerra muito mais poderosa que a de
Stálin. Mas há aí um beco sem saída, pois sem a ideologia comunista não há como
justificar o Grande Ato de Maldade. Talvez esse seja o motivo pelo qual Lênin
ainda não foi enterrado. Talvez eles tentarão reerguer o velho corpo do
ditador, apresentando-o como algo novo e fresco.
Por que a Rússia acabou chegando nessa situação? Por que
esse beco sem saída? Pode-se dizer que a estratégia de longo alcance tornou
esse cenário inevitável. Considerando a correlação de forças existente no
começo da perestroika, o novo tipo “liberal” de político russo jamais poderia
prevalecer. Com siloviki cercando-os, muitos usaram as estruturas soviéticas
para se enriquecer e reestabelecer um poder soviético sem ideologia soviética.
Ao fazer isso eles se dispuseram a acomodar a necessidade de “segurança” dos
siloviki. E essa foi a lógica da situação: a ideologia pode ter morrido (pelo
menos sua velha forma), mas o plano de longo alcance é mais astuto que a
ideologia. Esse plano há muito excitou os generais, além de ter sido
patrocinado pela KGB. Ele também se mostrou lucrável para os industrialistas
militares. Já com décadas de existência, o plano foi o fetiche dos funcionários
sem visão de futuro. Parecia racional, até mesmo científico — superior de todas
as maneiras ao marxismo-leninismo. No caso da União Soviética, pode-se
argumentar que a estratégia tornou-se ideologia. Mas mesmo assim é um beco sem
saída.
Quanto a Yakovlev, jamais se confiou qualquer poder a ele
após ter sido expulso do Partido Comunista. Nos anos 1990 ele atuou como o
chefe do Partido Russo da Social Democracia que mais tarde tornou-se a União
das Forças Direitistas (o partido de Boris Nemtsov). Em 2004 Yakovlev disse que
as eleições na Rússia foram “antidemocráticas, pois não ofereciam alternativa,
mesmo que formalmente houvessem pretendentes ao posto”. Talvez em desespero,
Yakovlev morreu em 18 de outubro de 2005. A União das Forças Direitistas foi
dissolvida em 2008 e mais tarde registrada como “organização política pública”.
Quanto a Gorbachev, ele ainda anda por terrenos estranhos.
Em seu livro “Meu Manifesto pela Terra” ele fala de desarmamento, justiça
global e aquecimento global. “Podemos ver a olhos nus que as mudanças
climáticas estão acontecendo na terra”, disse Gorbachev, “e que o número de
desastres naturais [...] está aumentando, que muitas espécies de plantas e
animais estão morrendo, que a camada de gelo polar está derretendo...” O fato
de que o Dia Terra é o mesmo do aniversário de Lênin é mais um dado dentre
muitos que indiciam que tipo de arma estão criando, e o livro de Gorbachev nos
diz quem é o criador. A organização de Gorbachev, a Cruz Verde Internacional, é
parecidíssima com um front comunista. No topo do website da Cruz Verde diz
“Inspirando jovens a serem agentes da mudança”.
O programa de Mikhail Gorbachev, desde que ele largou o
martelo e a foice em 1991, parece em todos os aspectos com um programa de
enganação, subversão e sabotagem que tem como alvo o Ocidente. Sua pose
humanitária mascara um desejo de desarmar os Estados Unidos, estabelecer uma
redistribuição global socialista e sabotar a economia americana. É seguro dizer
que Gorbachev nunca foi um verdadeiro liberal. “Posso repetir aos meus queridos
colegas do partido”, disse em 1991 na Bielorrússia, “que jamais, não importa
perante qual plateia esteja, terei qualquer vergonha de dizer que sou comunista
e estou comprometido com o ideal socialista.”
De todos os prognósticos, talvez a carta de 1843 de Karl
Marx a Arnold Ruge foi o mais interessante: “O comunismo é uma abstração
dogmática e [...] uma expressão particular do princípio humanista, ainda que
esteja contaminado pela sua própria antítese: a propriedade privada”. Talvez
uma outra maneira de dizer isso, do ponto de vista da liberdade, é que não há
mal sem bem [every cloud has a silver lining]. Mesmo que esse mal seja vermelho
[Even a red cloud].
Tradução: Leonildo Trombela Junior
Fonte: Mídia Sem Máscara
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