Por Denis Lerrer Rosenfield

A bandeira do socialismo se presta a múltiplas
configurações, tanto podendo sinalizar para uma proposta moral quanto para
intervenções estatais na produção, passando por genocídios de suas populações.
Uma proposta de tipo leninista se caracteriza pela
eliminação da economia de mercado, pela intervenção estatal na economia, por um
distributivismo social conduzido pelo Estado e pela eliminação das liberdades
civis, além da supressão da democracia e do estado de direito.
Aqueles que são os valores que tendemos a considerar como
universais foram, simplesmente, jogados no lixo da história como se fossem
meramente “burgueses”. O resultado foi a fome, os campos de trabalhos foçados,
a repressão constante, a tortura e, no final, o desmoronamento deste regime,
que caiu podre, vítima de suas contradições.
Ocorre que a ideia socialista/comunista, que deveria ter
morrido junto com o óbito de sua realização histórica, continua sendo
considerada, pelos ideólogos que a defendem, como válida, como se ela fosse
eterna, religiosa, não sendo desmentida por nenhuma efetivação feita em seu
nome.
Veja-se como, ainda hoje, um regime decrépito como o cubano,
dirigido por líderes anacrônicos, continua a suscitar interesse em uma América
Latina que teima em não progredir.
A Venezuela tem ainda sua contribuição ao implementar o
“socialismo do século XXI”, que nada mais é do que uma repetição da mesma ideia
socialista/comunista, com uma inovação: a subversão da democracia por meios
democráticos, sendo as eleições o seu instrumento.
Observe-se que a intervenção estatal na economia produziu a
maior desordem, com filas nos supermercados, o desaparecimento dos produtos de
maior necessidade, a inflação galopante e a ausência total de perspectivas.
Como sempre, a explicação é uma teoria conspiratória voltada contra a
“burguesia”, os Estados Unidos e a mídia.
Outro tipo de experiência foi a socialdemocrata dos países
europeus, correspondente a uma outra vertente do socialismo, a do reformista
Eduard Bernstein, seguida pela Alemanha como os governos socialdemocratas e
pelos países escandinavos. Na verdade, em nada diferia substancialmente das
propostas do Estado de Bem Estar Social, levadas a cabo por governos de
“direita”.
Convém salientar que nesses países a economia se desenvolveu
conforme os princípios de uma economia de mercado, sendo o “socialismo”, por
assim dizer, reservado para a distribuição social dos benefícios do
capitalismo, como saúde e educação públicas, seguro desemprego, previdência
pública e assim por diante.
Note-se a importante distinção entre produção e distribuição
de riquezas. Só pode haver distribuição de riquezas onde há a produção das
mesmas. Se não há produção de riquezas, o distributivismo social é apenas um
sonho passageiro, focado na distribuição de uma riqueza passada.
A doutrina política petista está baseada no apagamento desta
distinção, além de tentar recuperar ameaças às liberdades civis como o
“controle social da mídia” e os “conselhos populares”. É como se o
distributivismo social fosse melhor realizado se acompanhado por uma maior
intervenção estatal na economia, o que termina produzindo a desorganização
econômica e social.
Ademais, a intervenção estatal na economia termina sendo
acompanhada por um processo de cunho político que é o do aparelhamento de
empresas estatais pelo partido dominante e pela subordinação de empresas
privadas, obrigadas a seguirem o modelo partidariamente estipulado.
Ocorre que Lula, em seu primeiro mandato, teve a
inteligência de adotar um modelo socialdemocrata sem dizer o seu nome, embora
tenha feito várias concessões aos ideólogos socialistas. Aproveitou-se de um
contexto internacional extremamente favorável, beneficiando a exportação
brasileira de commodities, para levar a cabo uma política social
distributivista. Baseou-se, para tal, em preservar a produção de contaminações
socialistas, escolhendo, para o Ministério da Fazenda, Antônio Palocci e, para
o Banco Central, Henrique Meirelles.
No que diz respeito à política econômica, adotou, na
verdade, uma política “neoliberal”, mantendo os fundamentos de seu antecessor,
Fernando Henrique. Suas concessões ideológicas foram feitas na condução da
política externa (um fracasso), nas tentativas de amordaçamento da liberdade de
imprensa e dos meios de comunicação em geral e no apoio e financiamento a
movimentos sociais, de cunho leninista, como o MST, que tomaram conta do campo
brasileiro.
Com a saída de Antônio Palocci do Ministério da Fazenda, o
governo Lula começou a mudar de caráter, com um intervencionismo estatal
progressivo na economia e já se fazendo presentes os efeitos do aparelhamento
partidário do Estado. Revelou-se uma corrupção estarrecedora no mensalão e se
escancarou, agora, no Petrolão, fruto precisamente desta época.
Dilma, em seu primeiro mandato, manteve a mesma política de
distributivismo social, alterou, porém, substancialmente o apoio governamental
aos movimentos sociais, relegando-os a uma posição secundária e não levou a
cabo nenhum projeto de cerceamento da liberdade de imprensa e dos meios de
comunicação em geral.
Conservou intacta a política externa petista. Contudo, a
grande mudança consistiu em um maior intervencionismo estatal na economia, com
a política das grandes empresas campeãs, com o favorecimento de setores como os
das empreiteiras e das montadoras de automóveis, no abandono da
responsabilidade fiscal e em uma contabilidade criativa que abalou a própria
credibilidade nacional.
Caiu na tentação de levar uma política socialista para a
produção de riqueza, comprometendo a sua própria política social. O resultado
reside nas contradições do atual governo que ora sinaliza para uma volta à
liberal produção de riquezas, ora na sua mitigação.
Ora, o país chegou onde está, com uma crise enorme estampada
à vista, graças precisamente a essa intervenção estatal na produção de
riquezas. O atual governo, na verdade, não sabe exatamente o que fazer, ficando
à deriva de sua própria falta de convencimento do que deve ser feito.
Publicado originalmente no site do Diário do Comércio
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Denis Lerrer Rosenfield é professor, graduado em Filosofia
pela Universidade Nacional Autônoma do México, e “Doutor de Estado” pela
Universidade de Paris - Panthéon Sorbonne.
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