Por Carlos I. S. Azambuja

Segundo esse projeto, foi criada uma Comissão Especial,
composta por 7 membros, “de livre escolha e designação do Presidente da
República”, com a atribuição de proceder ao reconhecimento dessas pessoas que
tenham falecido, de causas não naturais, “em dependências policiais ou
assemelhadas”.
Ao projeto foi anexada uma relação com os nomes de 136
pessoas consideradas desaparecidas no período definido de 18 anos (1961 a
1979).
Os familiares desses desaparecidos, segundo o projeto,
teriam direito a uma indenização, a título reparatório, variável entre 100 mil
e 150 mil reais, conforme o caso. Em maio de 1998, com o decorrer dos trabalhos
da Comissão, a relação de desaparecidos já continha os nomes de 224 pessoas. No
mesmo sentido, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados elaborou
uma relação paralela, com 288 nomes.
O projeto da Comissão foi redigido pela Secretaria de
Direitos Humanos do Ministério da Justiça, todavia as relações de desaparecidos
políticos começaram a ser confeccionadas no governo Itamar Franco, quando o
Ministro da Justiça era o Sr. Maurício Corrêa, com base em consultas aos
Ministérios Militares, às associações de familiares de mortos e desaparecidos
políticos e em denúncias de organismos nacionais e internacionais defensores dos
direitos humanos.
Deve ficar claro que a grande maioria das pessoas cujos
nomes constam na relação de desaparecidos não desempenhava quaisquer atividades
políticas, e sim pegaram em armas para, através da tática de realizar
seqüestros de diplomatas, aviões, assaltos a bancos e estabelecimentos
comerciais, roubo de armas, muitos com assassinatos à mão armada, atentados a
bomba contra quartéis e “justiçamentos” – até mesmo de seus próprios
companheiros -, bem como a tentativa da implantação da guerrilha urbana e rural
no país. Esse é um fato histórico, que não pode ser eludido.
Na relação dos desaparecidos políticos que acompanhou o
projeto constavam os nomes de 59 guerrilheiros considerados desaparecidos na
Guerrilha do Araguaia, com a profissão e data de desaparecimento de cada um
deles, no período de 1972 a 1974.
De conformidade com essa relação, mais de 50% dos
guerrilheiros mandados para a Selva Amazônica pela direção do Partido Comunista
do Brasil, a fim de implantar o embrião da guerra popular prolongada, eram
estudantes universitários e secundaristas.
A propósito dos objetivos da Comissão de Desaparecidos
Políticos, já está mais do que caracterizado que a “experiência” posta em
prática pelo Partido Comunista do Brasil que resultou na insana Guerrilha do
Araguaia não foi uma reação ao Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de
1968, como a esquerda e muitos historiadores apregoam. Ela teve início ainda no
governo João Goulart, em fevereiro de 1962, quando um grupo de dirigentes e
militantes do Partido Comunista Brasileiro, inconformado com a tática de “linha
pacífica” para a tomada do poder, criou o Partido Comunista do Brasil, com a
finalidade de partir para formas superiores de luta, eufemismo designativo de
violência armada. Não existia, então, nenhuma ditadura militar.
Também já foi escrito e é um fato histórico que ainda no
governo Goulart, em 29 de março de 1964, dois dias antes da Revolução, um
primeiro grupo de militantes do PC do B foi mandado à China, a fim de receber
treinamento militar na Academia Militar de Pequim; e que, já em fins de 1966,
esse grupo de militantes, retornado da China, foi deslocado para o Brasil
Central a fim de montar a chamada “Área Estratégica”,embrião da guerra popular
prolongada. Tudo, portanto, antes do Ato Institucional nº 5.
Optar pela forma de luta armada no campo, realizar
treinamento militar em país comunista e internar-se na selva amazônica, foi uma
decisão do núcleo seleto de comunistas que constituiu e passou a dirigir o
Partido Comunista do Brasil, alguns dos quais o dirigem até hoje. Os que assim
decidiram é que deveriam ser responsabilizados pelas mortes ou desaparecimentos
na tresloucada empreitada do Araguaia.
Não apenas o Partido Comunista do Brasil, mas também
diversos outros partidos, grupos, organizações e seitas da esquerda
radicalizada não hesitaram em promover a violência armada. Para dar combate à
tática que utilizavam, como acima foi dito: - assaltos a bancos e a
estabelecimentos comerciais, atentados a quartéis, seqüestros de pessoas e
aviões comerciais, roubo de armamento, assassinatos de alguns de seus próprios
companheiros, denominados de “justiçamentos” -, o governo viu-se na
contingência de apelar para as Forças Armadas, constitucionalmente responsáveis
pela manutenção da LEI e da ORDEM.
A LEI e a ORDEM foram restabelecidas, sendo as guerrilhas,
urbana e rural, eliminadas na guerra suja então travada. Pouco tempo depois, em
agosto de 1979, o governo decidiu pela concessão de uma Anistia a todos os
envolvidos na guerra suja e que haviam sido condenados ou estavam presos por
participação na violência armada ou, de forma pacífica, nos movimentos e
partidos clandestinos de oposição. O objetivo da anistia foi o de pacificar o
país e estender o manto do esquecimento sobre aqueles anos de chumbo.
Ou seja, todos aqueles que estavam condenados ou
simplesmente presos, ainda submetidos a processos, foram libertados. E agora os
que, todavia, na louca empreitada perderam a vida, tiveram seus familiares
recompensados financeiramente.
Para a concessão dessas recompensas, no entanto, não deixa
de ser ridícula e extemporânea a insinuação dos que redigiram o projeto criando
a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos de que os guerrilheiros do
Araguaia estavam sob a custódia do Estado ou em “dependências policiais ou assemelhadas”.
Não deixam também de ser extravagantes as alegações da
Comissão de Mortos e Desaparecidos para recompensar as famílias de diversos
guerrilheiros urbanos, definindo que foram mortos em “dependências policiais ou
assemelhadas” ou em “lugares sujeitos à administração militar”, artifícios
utilizados para inúmeros casos, como os de Carlos Lamarca, morto no sertão
baiano - cuja viúva já recebia pensão militar - e Carlos Marighela, morto em
via pública, no centro de São Paulo, traído, deliberadamente ou não, pelos seus
camaradas do Convento dos Dominicanos, e muitos outros, reconhecidamente mortos
nas ruas, em confrontos com a polícia.
Rosalino Souza, o “Mundico”, da Guerrilha do Araguaia,
sabidamente “justiçado” por seus companheiros, teve seu nome incluído na
relação de Desaparecidos Políticos.
Mas isso ainda é pouco, para quem parece querer mais. A
Comissão, criada em agosto de 1995, continua funcionando e julga não ter ainda
concluído seus trabalhos, que não disfarçam um acerto de contas com o passado.
Integram essa Comissão, na condição de representantes dos
familiares, Iara Xavier Pereira e Suzana Kiniger.
Quem são essas senhoras?
- Iara Xavier Pereira pertence a uma família de militantes
da violência armada. Seu pai, João Batista Xavier Pereira, sua mãe, Zilda Paula
Xavier Pereira, e seus irmãos, Alex de Paula Xavier Pereira e Iuri Xavier
Pereira, foram militantes da Ação Libertadora Nacional.
Iara, Alex de Paula, Iuri e Zilda, receberam treinamento
militar em Cuba.
Alex de Paula e Iuri
participaram de mais de 40 ações terroristas. Iuri, inclusive, foi um dos que
participaram do “julgamento” pela chamada “Justiça Revolucionária”, que
condenou à morte sob a acusação de “vacilação”, o seu companheiro Márcio Leite
Toledo, “justiçado” em 26 de março de 1971, em São Paulo.
Alex e Iuri foram mortos, em 1972, nas ruas de São Paulo, em
confronto com a polícia. Alex de Paula em 29 de janeiro de 1972, juntamente com
o também terrorista Gelson Reicher; e Iuri em 14 de junho de 1972, juntamente
com seus companheiros Ana Maria Nacinovic Corrêa e Marcos Nonato Fonseca.
Segundo está registrado nas páginas 296, 297 e 298 do livro
“Mulheres que Foram à Luta Armada”, editado em 1998,“Iara, ora com um 38, ora
com um 32 - às vezes com uma metralhadora - participou de algumas ações
armadas: expropriou carros, assaltou firmas (...) Iara é econômica no que diz
respeito aos detalhes das ações, pois ela ocupa, nestes anos do governo
Fernando Henrique Cardoso, posição de destaque junto à Comissão de Mortos e
Desaparecidos Políticos, a responsável pelas indenizações do Estado aos
familiares dos rapazes e moças que morreram na luta”.
Iara Xavier Pereira foi casada com Arnaldo Cardoso Rocha,
militante da ALN, também morto em confronto com a polícia nas ruas de São
Paulo, em 15 de março de 1973. O jornal “O Estado de São Paulo” de 16 de março
de 1973 noticiou a morte:“Três terroristas que lideraram a ação que provocou a
morte do português proprietário do restaurante Varella, na Mooca, foram mortos
na tarde de ontem durante tiroteio com agentes dos órgãos de segurança, na rua
Caquito, no bairro da Penha”.Nesse sentido, a rua Caquito, no bairro da Penha,
teria sido considerada uma “área sujeita à administração militar” ou
uma“dependência militar ou assemelhada”?
Após a morte do marido, Iara viajou para o Chile, e daí,
novamente, para Cuba.
A outra “representante das famílias” na Comissão, Suzana
Kiniger, ou Suzana Lisboa, foi também militante da ALN, juntamente com seu
marido Luiz Eurico Tejera Lisboa. Ambos receberam também treinamento militar na
ilha de Fidel Castro. Luiz Eurico apareceu morto, em circunstâncias
misteriosas, em São Paulo, em 1972.
Os familiares de Alex de Paula Xavier Pereira, Iuri Xavier
Pereira, Arnaldo Cardoso Rocha e Luiz Eurico Tejera Lisboa – que são Iara e
Suzana -, foram recompensados pela Comissão de Desaparecidos Políticos.
Em agosto de 1996, a Comissão cometeu outro desatino.
Decidiu conceder indenização de 100 mil reais aos beneficiários do Coronel
Aviador Alfeu de Alcântara Monteiro, morto em 31 de março de 1964 com um tiro
de pistola dentro de um quartel da Aeronáutica em Porto Alegre, Rio Grande do
Sul, cuja viúva já recebia pensão militar.
A respeito de seu voto favorável nesse processo, o General
Osvaldo Pereira Gomes, representante das Forças Armadas naComissão de
Desaparecidos Políticos, autocriticou-se em entrevista ao jornal “Folha de São
Paulo” de 7 de junho de 1998. Disse ele: “(...) Houve o caso de um militar
janguista que se rebelou num quartel do Rio Grande do Sul. Ele foi morto, e a
Comissão votou o processo em que ele teria levado 16 tiros pelas costas.
Era o coronel Alfeu de Alcântara Monteiro. O pedido de
indenização foi aceito. Eu mesmo aprovei o caso. Na verdade, depois de o caso
ser apurado, fui descobrir que o coronel não tinha levado 16 tiros pelas
costas, mas sim um tiro, após um tiroteio (...) O que foi para o relatório
‘Brasil Nunca Mais’ foi essa versão de 16 tiros pelas costas, o que é uma
inverdade. Houve muitos casos como esse. Havia inclusive uma combinação entre
os presos para eles orquestrarem determinados depoimentos. Como exemplo, há o
caso do general Fayad. Vários presos políticos combinaram em falar que todos
foram torturados por ele (...)”.
A VERDADE é que o Coronel Alfeu de Alcântara Monteiro, um
Oficial janguista, recusou-se a passar o comando da então 5ª Zona Aérea para o
Brigadeiro Nelson Freire Lavanère Wanderley e reagiu, dando um tiro de pistola
no Brigadeiro, causando-lhe um ferimento na face. Um Coronel, que acompanhava o
Brigadeiro Wanderley, reagiu, matando com um tiro o Coronel Alfeu. Foi
instaurado um Inquérito Policial Militar, sendo o Coronel absolvido pelo STM.
As dúvidas do general Osvaldo Pereira Gomes sobre esse
processo, antes da votação, para que pudesse dar seu voto com absoluto
conhecimento de causa, como é o mínimo que a sociedade exige de qualquer Juiz,
seriam dirimidas se, simplesmente, tivesse consultado o Inquérito Policial
Militar acima referido, arquivado no STM. Mas parece que preferiu informar-se
no “Relatório Brasil Nunca Mais”, redigido pela Arquidiocese de São Paulo.
Não é altamente edificante conhecer um pouco da VERDADE
HISTÓRICA?
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Carlos I. S. Azambuja é Historiador.
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