domingo, 15 de fevereiro de 2015

Rasgaram minha fantasia

Por Gen Clovis Purper Bandeira
 
“Rasguei a minha fantasia
O meu palhaço, cheio de laço e balão.
Rasguei a minha fantasia
Guardei os guizos no meu coração.”
(Lamartine Babo – 1934

Em tempo de carnaval, relembro a famosa marchinha de Lamartine Babo, que ainda hoje é tocada nos bailes carnavalescos.

Há algum tempo, embalado pelas notícias de que tudo ia bem, éramos uma nação abençoada por Deus, além de bonita por natureza, comecei a confeccionar minha fantasia de palhaço. Uma beleza!

A propaganda eleitoral do ano passado forneceu-me ótimos adereços para enfeitá-la: desemprego zero, superávit primário garantido, balança de pagamentos positiva, inflação sob controle, energia assegurada para crescimento no curto, no médio e no longo prazo, pré-sal milagroso e prestes a produzir seus frutos, raros casos de corrupção combatidos com rigor e presteza, estradas, portos, aeroportos, casas populares, educação, saúde pública e outros sonhos antigos ao alcance da mão.

Empolgado, dependurei todos esses laços e balões em minha fantasia otimista. Ignorei os conselhos de amigos desconfiados, que me garantiam que a propaganda era enganosa e que camuflava um estado pré-falimentar, que estava chegando a hora de pagar a conta dos erros monumentais cometidos contra as contas nacionais na década de mentiras em que vivíamos etc.

Menosprezei os avisos sensatos e embarquei no trem da folia, satisfeito com a beleza da fantasia que vestia e vivia.

Passada a eleição, vi-me de repente sacudido por cascatas de surpresas negativas. Tudo acontecia ao contrário do que me tinham prometido, e os belos enfeites foram sendo arrancados pela desilusão, em tal velocidade que era impossível impedir sua remoção.

Em poucas semanas vejo-me maltrapilho, com a fantasia em frangalhos e, pior, sem as belas ilusões que embalavam os sonhos em que quis acreditar.

Basta adaptar a letra da antiga marchinha para “rasgaram minha fantasia” e a situação estará bem descrita.

Todas as belezas prometidas se foram. Restou apenas o velho palhaço crédulo, quase um espantalho, sem nenhuma alegoria ou alegria.

De tudo, sobram-me alguns guizos que consegui guardar dentro do coração, sementes de esperança para a dureza que a vida me reserva para quando o carnaval passar…


Publicado originalmente no site do Clube Militar


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Gen Clovis Purper Bandeira é editor de opinião do Clube Militar

Um comentário:

  1. Achei brilhante esse texto do Gen Clovis Purper Bandeira. Parabéns por compartilhar! Acho que o texto nos leva a pensar a própria questão da eficácia e da competência dos agentes do Estado - principalmente dos políticos: Você deixaria alguém operar seu coração sem nenhuma formação, preparo ou experiência? Então por que motivo você deixa que operem os órgãos fundamentais da sua vida pública sem os requisitos necessários? Não acha que todos aqueles que pleiteiam cargos políticos devem provar suas aptidões técnicas para a função - mediante exame público prático e teórico como os demais servidores da nação?

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