Por Gen Ex Ref José Benedito de Barros Moreira
Neste dia de reencontro, neste momento de alegria e
confraternização que estamos a vivenciar, é justo que deixemos as
reminiscências invadir nossas almas, nossas mentes , nossos corações…Serão
essas recordações o fio condutor de um breve esvoaçar ao passado já distante,
agora que, setentões, a pátina do tempo coloriu de branco nossos cabelos, um
pouco ou muito mais ralos…
19 de dezembro de 1964, uma data marcante para todos nós.
285 orgulhosos Aspirantes ultrapassamos os colossais e hieráticos portões de
saída da AMAN, espada à cinta e peitos inflados pela conquista tão almejada e
finalmente alcançada. O simbolismo daquele evento era um divisor de águas.
Encerrávamos ali, naquele instante, três anos de intensa e extenuante atividade
física e intelectual. Solidificados em nossos ideais, gratificados pelo
sucesso, estávamos preparados a adentrar uma nova etapa de vida. Ainda que
inexperientes, sobre nossos ombros pesava uma nova e poderosa realidade:
dignificar, agora como oficiais do Exército Brasileiro, nosso solene juramento
de dedicarmo-nos ao serviço da Pátria, preservar as Instituições Nacionais e
garantir a soberania nacional, a despeito de qualquer ameaça à sua integridade.
Prestes a sermos lançados em uma diáspora nacional, os novos
desafios e a alegria daquele momento ofuscavam a tristeza decorrente da
interrupção da convivência diuturna e do afastamento necessário dos amigos e
camaradas com os quais aprendêramos a dividir alegrias e tristezas. Com aqueles
companheiros não mais repartiríamos o pão e as agruras de cada dia, mas mesmo
distantes continuaríamos a compartilhar dos mesmos excelsos valores que juntos
aprendêramos a respeitar em nossa ainda incipiente vida militar. Esse
sentimento solidário, de união em torno de ideais elevados, perdura até hoje,
nunca esmoreceu…E essa nossa festa, esse nosso reencontro, é a mais lídima
demonstração dessa assertiva.
Esperançosos, sonhadores, estávamos no dealbar de uma longa
e imprevisível jornada. Aonde a vida nos iria conduzir? Que sonhos e projetos
conseguiríamos alcançar? Que dificuldades enfrentaríamos? Toda uma vida,
inteiramente nova, se descortinava agora frente a cada jovem Aspirante.
Estávamos, no entanto, bem preparados para enfrentar os
percalços que doravante surgiriam em nosso caminho, pois nem tudo foram
alegrias e sucessos em nossa passagem pela AMAN. Com muito foco e energia
aprendêramos a superar os óbices que a vida acadêmica nos impôs. Esses
obstáculos se constituíram, de fato, no fogo sagrado que acrisola a alma,
transforma o barro bruto em porcelana e tempera o fio da espada. Hoje
relembramos daquelas dificuldades com muito humor e dedicamos boa parte das
reuniões de turma ao relato rebuscado daqueles fatos, transmutados e burilados,
parte indissociável do anedotário castrense.
A organização impecável era o paradigma que norteava nossa
formação militar e intelectual. Nossos passos eram minuciosamente planejados e
executados por nossos excelentes professores e instrutores, em obediência a um
muito bem elaborado programa de ensino. A todos esses mestres prestamos nossa
homenagem e expressamos nosso
reconhecimento. No mais das vezes, na ausência da família, eram eles os
conselheiros e amigos a nos apoiar e orientar.
O sucesso de nossas atividades dependia, e muito, da
estrutura administrativa da Academia Militar. Na maior organização militar do
Exército Brasileiro, milhares de militares e civis trabalhavam de forma
integrada e harmônica, colaborando para que a Academia Militar da Agulhas
Negras, orgulho de nosso Exército, continuasse a ser um destaque internacional,
e um exemplo vivo às Instituições congêneres de nosso país. A todos esses
anônimos companheiros de jornada o nosso agradecimento fraterno.
Ao longo dos três anos de curso, acompanhávamos com atenção
e muita inquietude a crescente deterioração dos poderes da República. Era-nos
evidente que o país vivia um período de grande turbulência que fatalmente
desaguaria em uma guerra civil. Nossa juventude e inexperiência não impediam
que percebêssemos o rumo caótico seguido por nossas Instituições. Grupos
paramilitares, à moda das execráveis SA nazistas, brandiam facões e fuzis de
forma intimidatória. Greves selvagens, lideradas por pelegos controlados por
comunistas, mergulhavam o país na anarquia. As Forças Armadas, baluarte último
da sustentabilidade nacional, de forma sistemática e ardilosa eram solapadas,
enfraquecidas em suas bases, clivadas em sua unidade por movimentos que
buscavam separá-las em
classes. Brasília assistiu à rebelião dos sargentos e
marinheiros amotinados foram recebidos com honras por seu Almirante, por eles
vergonhosamente carregado aos ombros em grotesca e indisciplinada procissão. O
limite dessa escalada, o ponto de viragem, foi a presença do Presidente da
República em ato promovido por uma associação de graduados do Exército. Suas
palavras de incentivo à indisciplina e à insubordinação acenderam o estopim que
detonou a Revolução de 31 de Março de 1964, a alternativa que salvou o país do
mergulho no abismo que se avizinhava.
Veteranos na AMAN, não fomos apanhados de surpresa, pois nos
bastidores já nos preparávamos para nos unir à iminente revolução. Tínhamos, no
entanto, um Chefe, um líder na verdadeira acepção da palavra. O Gen Emílio
Garrastazu Médici, nosso Comandante e futuro Presidente da República,
revelou-se um dos próceres da Revolução. De pronto posicionou a AMAN na
vanguarda das forças civis e militares que apearam do poder um presidente
fraco, vacilante, títere de forças comunistas mequetrefes, vinculadas,
obedientes e financiadas por governos estrangeiros, ansiosos por ver instalada
em nosso país uma ditadura do proletariado, nos moldes do sangrento regime
instalado em Cuba alguns anos antes.
A Revolução de Março de 1964 transformou o Brasil. O Poder
Nacional evoluiu em todas as suas expressões. As Forças Armadas se
profissionalizaram; o Exército reorganizou-se, tornou-se maior, mais bem
equipado, passou a ser ainda mais respeitado. Mas uma nova ameaça surgiu quando
os comunistas derrotados apelaram para ações terroristas. As armas voltaram a
ser usadas, com muitos militares colocando em risco a própria vida. Hoje
travestidos de democratas, os guerrilheiros-terroristas de então foram
sumariamente enxotados para outras querências, sepultando de vez a esperança
que nutriam de estabelecer em solo pátrio um poder paralelo ao Estado. Esse
expurgo definitivo garantiu a paz interna, pois nesse processo os brasileiros
erradicamos por completo a lepra guerrilheira que ainda infesta alguns países
irmãos.
Esgotado o ciclo revolucionário, a pacificação deu-se por
meio da Lei da Anistia, um documento juridicamente perfeito aprovado por um
Congresso Nacional livre, soberano, voltado aos interesses nacionais. Os
eventuais crimes cometidos por ambos os lados deveriam ser esquecidos em prol
da estabilidade das Instituições e do interesse nacional.
A pacificação retirou-nos do proscênio político. Voluntária
e disciplinadamente retornamos à caserna, de onde nunca pretendêramos sair.
Desde então, as Forças Armadas tornaram-se o “Grande Mudo”, não mais
interferindo no processo político nacional, desta forma honrando e cumprindo os
termos acordados na Lei da Anistia.
A missão foi cumprida com pleno sucesso. O Brasil
democratizado tornou-se uma das maiores economias do mundo, potência regional
dinâmica e pujante. Grandes obras, grandes avanços sociais ainda hoje atestam
os resultados ciclópicos de um período marcado por administrações eficazes,
honestas, devotadas ao grande interesse nacional. Os irmãos brasileiros
reconhecem isso de forma categórica, insofismável, pois ano após ano as
pesquisas de opinião apontam as Forças Armadas como a Instituição Nacional mais
respeitada e confiável do país.
Nós, da Turma Nações Unidas, estivemos no epicentro de todo
esse processo telúrico que sacudiu nosso país, e nossa vida militar foi por
essa mesma razão moldada pelos fatos a que sumariamente aludi. Lamentavelmente
a nação brasileira volta a viver momentos dramáticos, novamente erodida em suas
bases por uma corrupção sem freios ou receios, capitaneada por um partido que
aferrasse ao poder ainda que à custa de desmandos e malfeitos, sabotando e
corrompendo as Instituições Nacionais, dessangrando a Pátria e tornando uma
nação respeitada em motivo de chacota frente ao mundo civilizado. A que ponto
chegamos, e até quando isso será tolerado?
Hoje observamos o desenrolar dos fatos. E não estamos
satisfeitos… Reescrever a História e enxovalhar os militares são objetivos
gramscianos aos quais estamos atentos, revanchismo explícito que os derrotados
pelas armas buscam alcançar no movediço terreno político, escorados em outros
poderes dóceis ou venais. A tentativa de aviltamento da Forças Armadas
prossegue sem tréguas, mas sem sucesso. Uma suposta Comissão da Verdade, que
distorceu a missão legal que recebeu, com seus membros escolhidos a dedo para atingir
esse fim, divulgou resultado ultrajante e indigno ao pretender denegrir chefes
militares de passado limpo. Esse ato, por si só covarde, mendaz e digno do
repúdio da História, é tão descabido quanto a omissão dos atores que, no mesmo
período, sabidamente cometeram atos terroristas e deveriam, por força da lei
que a criou, serem objeto de sua detalhada investigação.
Entrementes, nós da Reserva permaneceremos como estivemos
quando no serviço ativo, sempre atentos ao toque de reunir e avançar…
Cinquenta anos depois de nossa formatura ainda conservamos
acesa a mesma chama que nos guiou pela longa senda que trilhamos. Na caserna
aprendemos, ensinamos e crescemos profissionalmente, o que sempre nos conduziu
a novos patamares de conhecimento e desempenho. Forçoso é reconhecer que nessa
jornada nunca estivemos sozinhos. Nossos Chefes, e foram muitos, merecem nosso
respeito e reconhecimento, bem como os companheiros mais antigos e mais
modernos que também muito nos ajudaram a crescer. Um destaque especial para a
família, refúgio sagrado, porto seguro a nos amparar, aconselhar, apoiar e
aplaudir nossas ações. Pais, irmãos, esposas, filhos, em suma, aquela família
ampliada que nunca nos faltou, a qual agrego os amigos, verdadeiros irmãos por
escolha. A todos vocês nosso respeito, agradecimento e homenagem.
Infantaria - Kencis Mold
Cavalaria - Macedo
Artilharia - Nelson
Engenharia - Nobuo Oba
Comunicações - Araújo
Material Bélico - Cuinhas
Intendência - Cláudio Braga
Resende, 13 de dezembro de 2014
Gen Ex Ref José Benedito de Barros Moreira
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