Acaba de ganhar um
patrono o ajuste fiscal caracterizado pela supressão de direitos trabalhistas:
é o Hood Robin, que ao contrário do Robin Hood, não tira dos ricos para dar aos
pobres, mas inverte a equação. Tira dos pobres para dar aos ricos.
As medidas
provisórias 665 e 664, aprovadas pela Câmara dos Deputados, configuram uma ode
à traição, praticada não apenas pela presidente da República, mas pelo PT e a
maioria dos partidos da base oficial. Não há como evitar a comparação de haver
a Praça dos Três Poderes se transformado no reino do João Sem Terra, ou melhor,
no império de Dilma Sem Palavra
Porque Madame jurou,
na campanha eleitoral, que todos os direitos trabalhistas seriam preservados. O
resultado aí está, com a fatura dos desvarios econômicos do primeiro mandato
sendo enviada aos mesmos de sempre. O trabalhador perde boa parte do
salário-desemprego do abono salarial. Fica impossibilitado de pleitear pensões
por morte do cônjuge se for jovem e tiver sido casado há menos de dois anos.
Trata-se de um
esbulho incapaz de ser compensado por alterações no fator previdenciário, mero
expediente dos asseclas do sherife de Nottinghan instalados na Floresta de
Sherwood para confundir os incautos, tanto que Dilma mandou anunciar seu veto a
matéria aprovada.
O irônico nessa
invertida história de horror é que o Ricardo Coração de Leão, no caso, o Lula,
virou Luiz Fígado de Gatinho. O ex-presidente apoiou, em vez de protestar
contra a redução de direitos trabalhistas. Se já foi guerreiro e trabalhador,
agora é algoz de seus antigos liderados.
Razão mesmo parece
estar com o antípoda do Tiririca, porque fica pior, sim senhor, a cada dia que
a equipe econômica inventa novos expedientes para equilibrar a recessão. Ainda
agora Joaquim Levy acaba de aquinhoar o BNDES com 50 bilhões de reais para
continuar emprestando aos poderosos.
Em suma, como disse
um deputado da oposição, a maldade é uma arte...
De duas, uma. Ou a
presidente Dilma está arrependida de ter indicado o jurista Luiz Edson Fachin
para a vaga aberta no Supremo Tribunal Federal ou está dando gargalhadas diante
das respostas dele na sabatina na Comissão de Constituição e Justiça do Senado.
Porque o Fachin que esteve ontem a responder aos senadores não é o mesmo que
escreveu textos que colocavam em dúvida o direito à propriedade ou questionavam
a família tradicionalmente formada.
Fachin ontem nem
precisou explicitar o pedido para esquecerem o que escreveu. Ele mesmo tratou
de fazer uma releitura de anos e anos de militância jurídica, explicando que
todas as ideias polêmicas que defendeu ao longo de sua vida eram apenas
questões que estavam sendo "problematizadas" em discussões
acadêmicas, e não representam o pensamento que vai guiá-lo se for aprovado pelo
Senado para o STF . Na verdade, o que se viu ontem no Senado foi um jurista
quase conservador, defensor da tradição, família e propriedade. Ao jurista que
escreveu um prefácio de um livro a favor da bigamia, afirmando que as ideias
pertenciam a "mentes generosas e corajosas, preocupadas incessantemente
com o que nos define como humanos", o jurista sabatinado respondeu ontem :
"sempre acreditei que os valores da família , de pátria e de nação são
fundamentais para progredir".
O jurista "que
tem lado" escreveu, sobre a bigamia, que "quem se acomoda no dogmatismo
enclausurado ou (...) elimina a instância jurídica como instrumento de
emancipação " não cabe em um bonito sonho sobre "(...) as propostas
que embalam significantes e significados no berço que desempacota os nós de
alguns ninhos". Mas ontem foi às lágrimas quando se referiu ao casamento
de quase 40 anos com a desembargadora Rosana Amara Girard Fachin, e aos filhos,
todos presentes. Sobre propriedade privada, Fachin escreveu que "o
instituto da propriedade foi e continuará sendo ponto nevrálgico das discussões
sobre questões fundamentais do país. (...) De um conceito privatista, a
Constituição em vigor chegou à função social aplicada ao direito de propriedade
rural. É um hibridismo insuficiente, porque fica a meio termo entre a
propriedade como direito e a propriedade como função social. Para avançar,
parece necessário entender que a propriedade é função social."
Nos vídeos que
mandou colocar na internet e nas palavras que disse ontem no Senado, Fachin
acha que a propriedade é um direito fundamental e, como tal, nós devemos
seguramente obediência a esse comando constitucional. "Por que a
Constituição é o nosso contrato social. [...] Nenhum de nós pode ter uma
Constituição para chamar de sua ". Garantismo constitucional e valores
cristãos e democráticos podem ser as definições de seus compromissos mais
profundos, segundo afirmou ontem. A certa altura, como quem não queria nada,
lembrou que fora coroinha de igreja quando criança, a ressaltar suas raízes
católicas. Fachin ressaltou sua formação civilista com louvores à democracia e
à necessidade de o Poder Judiciário não assumir funções que são próprias do
Legislativo: "O juiz não pode nem deve substituir o legislador",
disse numa homenagem aos sabatinadores . Foi de tal ordem a diferença entre o
Fachin de antes e o de depois da indicação, que parece que ele foi indicado por
certas virtudes na visão de Dilma que fez questão de negar no Senado, talvez
sentindo que seus pensamentos não correspondiam ao pensamento médio dos
senadores.
O senador Ricardo
Ferraço, que foi o primeiro a levantar a questão da dupla militância como
advogado — procurador do estado do Paraná e advogado particular ao mesmo tempo,
o que era proibido pela Constituição do estado quando assumiu a função na
Procuradoria — insistiu na denúncia, que foi rebatida por Fachin com os mesmos
subterfúgios de "expectativa de direito" pois era permitido quando
fez o concurso , e teve permissão da OAB local. O senador definiu Fachin, logo
no início da sabatina, como "vítima das suas convicções". Deve ter
chegado ao final com a convicção de que Fachin não tem convicções, apenas se
dispõe a "problematizar" os temas pelo gosto de um bom debate
acadêmico. Tamanha a diferença entre um Fachin e outro que o senador Cássio
Cunha Lima teve que perguntar se ele garantia que sua posição no Supremo
corresponderia ao seu depoimento, e não aos textos que escrevera até então.
Fachin garantiu que o que vale não é o que está escrito, mas o que falara
naquela sessão.
Imagem é tudo. Bombam nas redes sociais cenas e fotos do
juiz Sérgio Moro e sua esposa Rosângela sendo aplaudidos no lançamento do livro
"Bem vindo ao Inferno", prefaciado pelo herói da Lava Jato, ontem, no
conjunto Nacional da Avenida Paulista. O Jornal Nacional da Rede Globo,
editorialmente, preferiu mostrar outro acontecimento político, ocorrido mais
cedo, em Brasília: o poderoso Luiz Inácio Lula da Silva saindo, com a
fisionomia bem séria e formal, bem escondidinho, de um almoço indigesto com
Renan Calheiros, Edson Lobão e Delcídio Amaral.
Por acaso a cena guarda alguma coincidência com o fato de
delações premiadas da Operação Lava Jato citarem os santos nomes ligados à
Família Sarney? Eis a ironia da história. O magistrado Sérgio Moro é tratado,
popularmente, como um presidenciável - uma referência de líder para o Brasil.
Humildemente, ele não aceita a fama de herói. Já o ex-Presidente Lula, em
descarada campanha para retornar ao Palácio do Planalto em 2018, enfrenta o
maior desgaste de imagem nunca antes visto em sua história pessoal. Lula nem
pode sair a rua, sem ser vaiado ou xingado. Já Sérgio Moro, que não é político,
consegue atravessar a Avenida Paulista sob aplausos.
Será com os aliados prestigiados ontem por Lula que o PT vai
criar uma nova frente política de esquerda no País com vistas as eleições de
2016 e 2018 - conforme o petista gaúcho Tarso Genro anunciou esta semana no Rio
de Janeiro? Em debate na Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Tarso Genro
praticamente respondeu que não. Ainda mais quando falou da crise vivida pelo
Partido dos Trabalhadores e proclamou que o ciclo desenvolvimentista iniciado
por Lula está esgotado: "Nós, que somos minorias dentro do partido, não
temos ninguém a nos opor, porque não há hegemonia partidária hoje. Há um
condomínio administrativo e um partido em crise, que está se segurando para não
entrar numa depressão profunda. Não existe grupo dirigente. Existe um acordo de
funcionalidade partidária e um projeto de estado vencido."
O ideólogo Tarso Genro defende que o Brasil saia de uma
posição dependência subordinada e partir para uma relação de cooperação
recíproca com o capital financeiro internacional. Pregando "acabar com o
monopólio da mídia", Tarso também repetiu o discurso nazistalinista de
atacar o que chama de "classes dominantes" (as zelites a que Lula
sempre se refere). Tarso espancou: "Eles são contra as ousadias dessas
poucas reformas populares que foram feitas. A classe média brasileira está se
'paulistinizando', está cada vez mais paulista. O cara tem 50 mil no banco e
acha que é o Ermírio de Moraes. Ele não quer pobre perto dele, ele não quer o
negro na universidade, ele não quer aceitar a diversidade sexual. Pensa que é
rico; não sabe o que é riqueza".
O grave problema estrutural e conjuntural é que a política
brasileira não dá sinais de mudanças, embora seja esta a vontade do
cidadão-eleitor-contribuinte. Assim, em 2018, existe o risco concreto de Lula
retornar ao poder federal. Ainda não aparece no horizonte quem possa
confrontá-lo. As lideranças continuam as mesmas. O debate continua ideologizado
e sem ideias para colocar o Brasil nos eixos.
Assim, o País continua aquela velha vanguarda do atraso.
Lula, um mito em decadência, segue em frente. E o Brasil fica esperando que
outros Sérgios Moros apareçam para cumprir seu dever cívico, em qualquer dos
três poderes, contaminados pela corrupção sistêmica.
Direito e Justiça em Foco
No programa Direito e Justiça em Foco do próximo domingo,
o desembargador Laércio Laurelli recebe a advogada Ana Luíza Reale - trata das
mudanças do Código Civil no Brasil e de outros temas técnico-jurídicos.